A comunicação, e mais propriamente o jornalismo, passaram por uma considerável transição, tendo por base a tecnologia e o acesso aos veículos. Em tempos de eleição, cabe falar na transmudação da esfera pública, que favorece a atuação política acontecendo, de forma preponderante, “nos” e “para” os media. É mais do que uma atuação, uma performance; um jogo de mise-en-scène.
Aos jornalistas cabe o papel de bem informar, dando conta da sofisticação das relações, estratégias e mudanças no cenário dos fatos. Ou seja, na tarefa da informação existe um múnus público, um direito-dever que o jornalista exerce, instrumentalmente, para satisfazer o fim de fornecer um mapa ou cartografia de notícia à sociedade.
Podemos, inclusive, comparar o jornalista com os políticos, pois seriam depositários de confiança e representação em um espaço democrático e plural. Aí, entretanto, viria a incômoda pergunta: a quem os jornalistas e políticos representam? A democracia simplesmente representativa mostra-se insuficiente para atender às demandas diversas, já que a atuação desregulamentada dos grupos de pressão ou interesse obtém direito de precedência nos “corredores do Parlamento”, com grande poder de influência e a custo zero de responsabilidade.
Os lobbies são grupos organizados por demandas específicas e pontuais, que não correspondem à ideia de representação da maioria, e sim das minorias. São inúmeros… Demandam, normalmente, regulamentação (não existe legislação no ordenamento jurídico brasileiro para o exercício do lobby) e convidam ao primado da democracia participativa.
Em se tratando de jornalismo, a dinâmica é bastante assemelhada. Pode-se fazer a pergunta: é legítimo o lobby dos veículos jornalísticos? Até onde seria conciliável o dever de informar diligentemente com o “jornalismo de tendência” ou “jornalismo com um ponto de vista”, à Maggie Gallagher?
Se em política profissional os atores representam, de direito, o povo, em jornalismo profissional, os “grandes” atores, em regra, estão atrelados a uma empresa comercial, com interesses próprios e uma dinâmica individualista de funcionamento (impossível não lembrar de Weber, com a noção de “usos políticos” do jornalismo e a sua descrição da categoria como “lixeiros da imprensa”). A tônica da empresa jornalística, como qualquer outra empresa, é a do lucro; e, nesse processo, entram delineamentos como a linha editorial, os códigos não escritos, e o que Pailhet chamou de “arbitragem das redações”, apesar de todos os manuais reafirmarem o compromisso com o público, a ética e a verdade.
Utopia da ética e a via confessional
Verdade essa que pode estar no patamar do ideal, nunca alcançável, e o pior, pouco procurado. Fica a verdade diligente ou processual, verdade de “boa fé”, como pretensa substituta à “Verdade” absoluta. A partir do jornalismo responsável, esse seria o lobby do compromisso com a informação de qualidade técnica e diligente, do permitir várias vozes e a recomposição da esfera pública na perspectiva participativa.
Outra opção está na utopia do jornalismo de convergência midiática, cunhado nas plataformas tecnológicas a partir de indivíduos sem filiação às organizações jornalísticas. O jornalismo a partir dos cidadãos, praticamente por blogs e redes sociais, seria a alternativa, compondo um mosaico pluralista de vozes. Ainda uma terceira utopia: um padrão qualitativo na notícia, com a efetiva participação de segmentos da sociedade nas empresas de jornalismo, exercendo o papel de fiscalizador e inserindo-se nas decisões e “rumos editoriais” (tal conselho consta da Constituição de Portugal, e funciona com assimetrias). Um começo, talvez de democracia participativa ou de políticas públicas de comunicação no jornalismo, que, como lembra Traquina, é o que vigia sem ser vigiado.
Mas voltando às grandes organizações de comunicação e entretenimento (cuja reserva moral pretende estar no jornalismo), veja-se o caso recente de Xico Sá e a sua autodeclarada não filiação à tendência do jornal Folha de S.Paulo na cobertura da campanha presidencial. Em texto veiculado no site Observatório da Imprensa, Sá reverbera o que já sabemos: “É muito desequilíbrio. É praticamente jornalismo de campanha. Não é cobertura.”
Então: o lobby da empresa, bastante praticado nos editoriais, colunas por vezes, e no filtro de seleção das notícias, deve pautar o teor do conteúdo jornalístico?
Chegamos à via confessional, então. Uma possibilidade mais plausível, tendo-se em vista o patrulhamento ideológico das empresas de comunicação, contrário à criação de marcos regulatórios e mecanismos de fiscalização, é a via da assunção. Leia-se: a abertura das posições ideológicas, a declaração de filiação política, a transparência da genética editorial.
Enquanto nenhuma utopia ética dessas se concretiza, o lobby jornalístico é cínico e moralmente duvidoso. Assim, as empresas jornalísticas e os jornalistas permanecem muito distantes dos mandantes que lhe delegaram poderes especiais; e, em última instância, seguem devendo desculpas públicas aqueles.
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Veruska Sayonara de Góis é jornalista, advogada e professora