Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eu acredito em pesquisas

Como os duendes, as pesquisas de intenção de voto costumam ser severamente destratadas, principalmente por quem não acredita nelas. Como as pesquisas, os duendes não se mostram facilmente e falam numa língua estranha, que poucos entendem. E quando maltratadas, as pesquisas costumam infligir duros castigos aos infiéis.

Eu acredito em pesquisas. Ao longo de todo este primeiro turno, os principais institutos brasileiros nos informaram claramente o que estava acontecendo com o envolvimento e intenções de votos dos eleitores, revelando não apenas como votariam (e não votariam) os brasileiros naquele dia específico em que foram perguntados pelos entrevistadores, mas como essa tendência se iria consolidar no dia da votação real.

Parodiando o grande Nelson Rodrigues, tenho visto muita má-fé cínica ou obtusidade córnea quando alguém proclama o “fracasso” das pesquisas a partir do desconhecimento de como realmente elas funcionam.

Mas como explicar os “erros grosseiros” da pesquisa, “muito acima das margens de erro”?

Em primeiro lugar (e o mais grave) não se podem comparar intenções de voto do total do eleitorado com as intenções de voto a partir do número de votos válidos. São dois universos quantitativamente distintos. O total de eleitores registrados pelo TSE ficou em torno de 140 milhões, enquanto o total considerado dos votos válidos (excluindo todos os eleitores que não votaram, os nulos e em branco) foi pouco superior a 104 milhões.

Assim, as porcentagens obtidas por Aécio Neves e Marina Silva (24% e 21%-22%, respectivamente) nas últimas pesquisas dos dois principais institutos (Ibope e Datafolha, 4/10, antes da boca de urna) correspondiam a 33,6 milhões de intenções de voto para Aécio e 29 milhões-30 milhões para Marina. No caso de Aécio, praticamente o mesmo número de votos que obteve.

Mais e melhores

Na pesquisa de boca de urna o Ibope deu 44% para Dilma, 30% para Aécio e 22% para Marina. O Datafolha registrou 44%, 26% e 24% respectivamente. Só que agora esses porcentuais se referem a votos válidos, alterando a base (amostra e universo) dos eleitores pesquisados, igualando-a ao critério adotado pela apuração oficial, que registrou os resultados finais de 41,5% para Dilma, 33,5 para Aécio e 21,3% para Marina.

Para quem estuda o processo eleitoral as últimas pesquisas e a de boca de urna servem para confirmar tendências e apontar os resultados no caso de eleições disputadas de candidatos competitivos. Não era esse, entretanto, o cenário do primeiro turno, no qual os especialistas tinham à disposição uma série de dados que mostravam a evolução das tendências de intenções de voto e rejeições aos candidatos, as mudanças antecipadas em segmentos formadores de opinião e mais as pesquisas qualitativas e o tracking diário.

Tudo isso desenhava nítida e claramente que Aécio, e não Marina, iria para o segundo turno contra a presidente Dilma, que ficou durante todo o primeiro turno sem condições de reagir acima do seu teto de 40 pontos, e ainda perdendo eleitores nos últimos dias.

Um cenário previsível, porque pesquisas de intenção de voto só fazem sentido quando observadas em suas tendências ao longo do tempo. Desde o início de setembro essas tendências mostravam o “teto” da presidente Dilma; o contínuo, consistente e acelerado registro de perdas para Marina e, no sentido inverso, o lento, mas igualmente contínuo e consistente, crescimento de candidato do PSDB. No final de setembro muitos analistas já apostavam em Aécio e na última semana a evolução das tendências prenunciava que ele ultrapassaria, com larga vantagem, a candidata pessebista.

O substancial aumento do volume de negociações da Bolsa de Valores, fortalecendo posições de compra ao longo de toda a semana anterior às eleições, sem nenhum fundamento econômico ou macroeconômico (ao contrário), seguramente não foi porque os especuladores ouviram os duendes da floresta.

Claro que houve erros em alguns colégios eleitorais regionais, mas numa eleição como esta, em que a trágica morte de um dos candidatos alterou profundamente o cenário eleitoral (nacional e regional), eles são provas do grande sucesso e profissionalismo com que os institutos de pesquisa trabalharam suas pesquisas, indispensáveis aos profissionais para traçarem as estratégias de seus candidatos e aos eleitores para a formação e consolidação de suas intenções de voto. No auge de suas diatribes contra as pesquisas ouvi de gente séria e democrata sugestões e pedidos de se estabelecerem “limites e controles” à divulgação de pesquisas eleitorais e até do seu banimento.

A realização de pesquisas de opinião e sua livre divulgação é parte integrante e fundamental dos direitos expressos pelos nossos cânones de liberdade da expressão. Expressar sua intenção de voto, conhecer o que pensa o conjunto dos eleitores em determinado momento do processo eleitoral é um direito que tem de ser preservado para todo o conjunto dos formadores e receptores da opinião pública. Restringir sua divulgação é subtrair esse importante insumo para a decisão de voto, preservando-o apenas para os políticos, partidos, imprensa e investidores, que continuariam a fazer suas pesquisas, configurando-se assim como um intolerável privilégio para a isonomia do processo democrático de uma sociedade republicana.

Quem luta pela liberdade de expressão não pode ser contra a divulgação de pesquisas – assim como no jornalismo, há boas e más, honestas e desonestas, éticas e não éticas; sem que se invoque a censura por causa desses desvios. Mais e melhores pesquisas, feitas e divulgadas por institutos e veículos de imprensa sérios (inclusive as pesquisas qualitativas), assim como mais jornalismo, são o melhor antídoto para os desvios e manipulações.

******

Emmanuel Publio Dias é professor da ESPM e consultor de marketing político