Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Internet não dorme… só nos países pobres

A internet nunca dorme e, quando isso acontece, é nos países menos desenvolvidos. Um estudo com quase 25% das conexões totais na rede mostra que quando os cidadãos dos países ricos dormem, deixam seus computadores conectados. No resto do mundo, as máquinas são desligadas.

A equipe do professor John Heidemann, do Instituto das Ciências da Informação da Escola Viterbi de engenharia da Universidade do Sul da Califórnia, está há mais de uma década calculando a dimensão da internet. Conduzem as pesquisas contando os endereços IP (sigla em inglês para Protocolo de Internet). A função desses números não é muito diferente dos endereços postais, já que servem para distribuir os pacotes (neste caso de dados) de forma correta.

Um endereço IP é formado por uma série de quatro números separados por pontos e que podem ir de 0.0.0.0 até 255.255.255.255. Isso faz com que as combinações possíveis de endereços superem quatro bilhões. Todo computador, sistema, sub-rede ou site tem seu próprio endereço IP. As autoridades da Internet os distribuem por blocos às operadoras e estas vão direcionando os endereços aos seus grupos de clientes. Heidemann e sua equipe realizaram um estudo com quase 25% deles para saber quando a internet dorme.

Durante 35 dias e a cada 11 minutos enviaram uma pergunta usando o protocolo de mensagens de controle da Internet (ICMP), que os técnicos usam para saber se um equipamento está conectado, desligado ou off-line, a 3,7 milhões de blocos, quer dizer, quase 950 milhões de endereços IP.

“Os computadores podem responder ou não, se o fazem sabemos que existe uma máquina ali”, explica Heidemann. “Com esses testes, podemos estimar quantos endereços estão ativos”, acrescenta. Ao obter o momento exato de cada resposta, os pesquisadores puderam traçar um mapa temporário da internet. “Os blocos diurnos têm um padrão de crescimento e declínio a cada 24 horas”, diz.

Segundo seu estudo, que será apresentado nos próximos dias em uma conferência sobre medições da internet, a rede quase nunca dorme. Apenas 11% dos blocos analisados apresentam um padrão diurno confirmado, com picos de uso pela manhã ou pela tarde. Embora outros 25% de máquinas apresentem algum tipo de atividade pela noite, o resto simplesmente vai dormir. Seus usuários e donos as desconectam ou deixam que entrem em repouso.

Conexões compartilhadas

Os pesquisadores resumiram os resultados do estudo em um vídeo onde é possível ver (em branco) os endereços IP que nunca descansam e como os demais passam do azul (inativos) ao vermelho, quando se conectam, coincidindo com o início do dia.

O que mais chama a atenção é que a imensa maioria de endereços IP que continuam despertos a noite toda pertencem a equipamentos no Japão, Coreia, Europa Ocidental e Estados Unidos. Nos países mais desenvolvidos se impõe o always-on ou sempre conectado. Embora os computadores dos escritórios sejam desligados, nos lares isso não acontece. Muitos sistemas profissionais continuam ativos e, portanto, os endereços IP que sinalizam um site nunca descansam. Os pesquisadores também destacam a importância dos celulares avançados que, por padrão, estão sempre conectados.

Não acontece o mesmo no resto do mundo. Com exceção da Coreia do Sul, o resto da Ásia Continental, da Europa Oriental e da América Latina apresenta um padrão marcadamente diurno. Quase não há dados para a África. Em termos relativos, o número de endereços IP usado é muito menor mas, além disso, a maioria entra em repouso durante a noite. Na China, por exemplo, 48% dos endereços IP param de trabalhar à noite, porcentagem que aumenta se são levadas em conta as conexões predominantemente diurnas. Por outro lado, nos Estados Unidos apenas 0,2% dos endereços são exclusivamente diurnos.

“Ainda estamos estudando por que isso acontece”, destaca Heidemann. “Vemos uma correlação entre as redes diurnas e um PIB per capita baixo, por isso a economia é um fator”, acrescenta. De fato, em sua análise foram introduzidas diferentes variáveis como o consumo de eletricidade, o PIB ou a data em que os blocos de endereços foram concedidos. Comprovaram que a correlação mais forte se dava com o PIB per capita. Nos 20 países com maior quantidade de blocos diurnos, essa relação é inferior a 15.000 dólares (37.000 reais), muito mais baixa do que os mais de 11.208 dólares (cerca de 28.000 reais) do Brasil.

Mas há outros fatores, talvez também relacionados com a economia. “Uma razão é a sofisticação da rede. As tecnologias de banda larga always-on como o cabo ou a fibra ótica que chegam até as casas estão projetadas para que nunca se desconectem, enquanto as conexões telefônicas que são compartilhadas com as chamadas de voz foram projetadas para serem usadas ocasionalmente”, destaca o professor. As políticas corporativas também têm influência. “Em alguns países, as companhias de telecomunicações não apostam [no sistema] sempre conectado e nos endereços IP estáticos”, acrescenta.

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Miguel Ángel Criado, do El País