Quem transformaria em manchete um estudo intitulado “Comércio e protecionismo em bens intermediários”? O pessoal do Valor fez isso, com excelente resultado jornalístico, ao publicar no alto da primeira página a bela matéria de Denise Neumann sobre um novo relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Obviamente, o título usado no jornal foi mais atrativo: “Brasil se isola com tarifas de importação mais altas”.
Resumo da história: nos últimos 20 anos o país andou na contramão dos emergentes, mantendo as tarifas quase inalteradas, permanecendo como uma das economias mais fechadas do mundo e perdendo oportunidades de participar nas cadeias globais de valor. O fraco desempenho brasileiro no comércio internacional, com escassa participação no intercâmbio de produtos manufaturados e semimanufaturados, é um reflexo dessa política.
Pode ter sido simples casualidade, mas o jornal com essa manchete circulou, na segunda-feira (20/10), poucas horas antes de ser divulgado em Genebra o novo relatório anual da Organização Mundial do Comércio (OMC). Um dos temas centrais desse documento foi a evolução das cadeias internacionais de produção (e de valor), um dos canais mais importantes de integração dos emergentes no mercado global. O relatório confirmou, no essencial, as conclusões do trabalho do Ipea, assinado pelo economista Flavio Lyrio Carneiro. A história contada no estudo da OMC é obviamente mais ampla, com muito mais detalhes sobre a atuação dos vários países nas trocas internacionais.
Situação “preocupante”
A combinação das duas notícias – a publicada pelo Valor e a divulgada pela OMC –rendeu comentários de articulistas mais atentos a esses detalhes e virou pauta do noticiário na GloboNews. Mas a atenção ao tema, na maior parte dos meios de comunicação, foi um bônus excepcional aos leitores interessados em matéria-prima relevante e menos rotineira para entender a posição do país na economia internacional.
O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo, provavelmente a sétima, neste ano, mas continua sendo apenas a 22ª na lista das exportadoras, segundo o relatório da OMC. O país apareceu na mesma posição no relatório anterior. Há vários anos tem estado nessa colocação ou muito perto.
O baixo poder de competição da indústria brasileira tem sido apontado como a principal explicação desse mau desempenho. A dificuldade para competir reflete uma ampla coleção de fatores, como a tributação inadequada, o excesso de burocracia, as deficiências da infraestrutura, a escassez de mão de obra treinada (ou mesmo passível de treinamento), a insuficiente inovação, algum desajuste cambial e a participação quase nula em acordos comerciais de alguma relevância. Apenas para ilustrar este último ponto: a negociação entre Mercosul e União Europeia, iniciada nos anos 1990, continua sem conclusão à vista.
Mas o baixo poder de competição e a escassa participação em acordos comerciais estão associados a uma certa concepção de política industrial. O relatório da OMC chamou a atenção para esse ponto, pelo menos de forma indireta, ao mencionar, como indicou o Estado de S.Paulo, a proliferação de “medidas de proteção e de exigência de conteúdo local”. Citado na mesma reportagem, o diretor da OMC, o diplomata brasileiro Roberto Azevedo, assinalou a importância da participação nas cadeias de valor: “Os estudos evidenciam que participar das cadeias de produção gera maior produtividade e crescimento”.
A situação brasileira “é mais preocupante”, indicou o Valor, “porque a fragmentação da produção mundial se acelerou e envolve mais países em desenvolvimento”. Entre os grandes emergentes, Brasil, Argentina e África do Sul aparecem, no relatório, como os menos integrados nas cadeias de produção.
Motivos fortes
Alguns dos grandes jornais nem sequer noticiaram a publicação do novo relatório da OMC. Desprezaram uma bela ocasião de registrar as tendências do comércio internacional e de mostrar a posição do Brasil na disputa de mercados.
No fim da mesma semana, o Banco Central (BC) divulgou o relatório mensal sobre o setor externo. O fraco desempenho no comércio exterior é a causa principal da deterioração da conta corrente do balanço de pagamentos, disse em entrevista o diretor do Departamento Econômico da instituição, Tulio Maciel. Nos doze meses até setembro, o déficit em conta corrente chegou a US$ 83,56 bilhões, soma equivalente a 3,7% do produto interno bruto (PIB).
As transações correntes incluem a balança de mercadorias, as contas de serviços e de rendas e as transferências unilaterais. Mais uma vez, neste ano, o investimento estrangeiro direto está sendo insuficiente para cobrir aquele déficit. A cobertura tem sido completada com financiamentos de outros tipos, menos estáveis e mais especulativos. Se faltassem outros motivos, a piora dessas contas deveria bastar como estímulo para uma cobertura mais ampla e mais cuidadosa do comércio exterior, o componente mais importante da segurança externa.
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Rolf Kuntz é jornalista