Robert Freeman é diretor-executivo do Comitê sobre Governo Aberto do Estado de Nova York. Neste artigo, ele trata de questões éticas sobre o jornalismo e o direito do público de acesso a informações.
O Comitê sobre Governo Aberto do Estado de Nova York foi criado como parte da Lei de Liberdade de Informação, em 1974. Fui “emprestado” temporariamente a esse Comitê um pouco antes de ele entrar em vigor e foi o melhor emprego de governo que se pode imaginar. Resumindo, respondemos a perguntas sobre o acesso público a informações do governo, tanto oralmente quanto por escrito, que nos são enviadas por representantes de agências estaduais e locais, por membros do público e por veículos jornalísticos. Nosso único objetivo envolve oferecer aquilo que acreditamos que seja a resposta correta de acordo com a lei, independentemente de quem seja a fonte.
Ao longo dos anos, recebi milhares de perguntas de repórteres. Frequentemente, eles nos procuram já cientes da resposta, mas querendo uma declaração que possa convencer uma autoridade governamental a cumprir a lei e abra determinados registros ou realize encontros abertos. Com frequência ainda maior, ligam com perguntas – e como o governo tem relação com tudo, do nascimento à morte e tudo entre um e outro – que já tratei em inúmeros tópicos e várias situações incomuns.
Uma de minhas preferidas veio de uma jovem repórter que me disse que havia solicitado e obtido registros de um secretário de um condado. Entre os registros encontravam-se, inadvertidamente, os detalhes de uma ação de divórcio de um senador estadual. No estado de Nova York, as pessoas têm o direito de saber que pessoas se divorciaram, mas a lei proíbe a divulgação de detalhes sobre a ação de divórcio a todo mundo, exceto as pessoas envolvidas e seus advogados. Quando a repórter perguntou se poderia usar os registros em seu veículo, perguntei: “Você os roubou?” E ela respondeu: “Não.” “Você os obteve de forma ilegal?” Ela voltou a dizer que não, que os registros simplesmente se encontravam embaixo de uma pilha de papéis. Minha resposta foi simples: “Você pode fazer com eles o que quiser. O que você optar por fazer é uma questão de avaliação editorial”, ou, suponho, de ética jornalística.
Os direitos conferidos pelas leis
A repórter disse-me que estava dividida porque os registros continham informações íntimas e pessoais, inclusive uma declaração do senador de que ameaçara sua mulher com uma arma. Para ser justa, ela entrou em contato com o senador e ele disse que não estava ligando se o material seria publicado. A realidade é que o jornal tinha o direito a divulgar o material ao público, independentemente da opinião do senador. É interessante ressaltar que, apesar da divulgação, o senador foi reeleito.
Quando descrevo essa situação, muitas vezes perguntam-me sobre divulgações feitas pelo WikiLeaks e por Julian Assange. Fundamentalmente, a questão é a mesma. Ele não roubou informações nem as comprou ou compartilhou ilegalmente. O crime que foi cometido envolvia um funcionário do governo, um soldado do exército, que não tinha autorização para divulgar material confidencial. Em ambas as instâncias, a Primeira Emenda foi crucial para o direito a divulgar, disseminar e publicar a informação. “Não caberá ao Congresso aprovar leis… limitando a liberdade de expressão, ou da imprensa”.
Anos atrás, muitas cidades tinham mais de um jornal diário. Às vezes, dois jornais eram propriedade da mesma empresa e funcionavam no mesmo prédio – e, apesar de sua relação corporativa, eram concorrentes. Quando me pediam para oferecer treinamento ou orientação a essas organizações, muitas vezes também me pediam que dirigisse duas sessões em salas separadas pela mesma parede. Por quê? Porque as equipes eram concorrentes; repórteres de um dos jornais não queriam que seus colegas do outro jornal ouvissem suas perguntas sobre acesso a informações do governo. Se os concorrentes o conseguissem fazer, eles descobririam o foco dos esforços de investigação, questões que ainda não fossem de conhecimento público, ou talvez o escândalo em vias de ser noticiado.
Outro aspecto relacionado a isso é a realidade de que os membros de órgãos jornalísticos são usuários fundamentais das leis de acesso à informação e fazem milhares de pedidos de registros. Logo que uma solicitação por escrito é feita, ela torna-se um registro de uma agência do governo e o registro passa a depender de direitos que são conferidos por essas leis.
As “sessões executivas”
Nos últimos anos surgiram algumas perguntas sobre a capacidade de uma organização jornalística solicitar e obter pedidos de liberdade de informação feitos por outras organizações jornalísticas. Seria ético pedir e obter um pedido feito por um concorrente? Poderiam esses pedidos, por uma questão de justiça, ser negados?
Em primeiro lugar, os pedidos propriamente ditos passam a ser registros do governo assim que se tornam propriedade de uma agência de governo. A partir daí, como sempre, a questão será a existência ou não de uma exceção que negue o acesso à informação. Não há nada de pessoal numa solicitação feita por uma pessoa agindo em sua capacidade empresarial ou profissional. Consequentemente, não seria o caso da exceção mais comum, envolvendo invasões injustificadas de privacidade pessoal. A segunda condição que foi levada em conta responde, muitas vezes, pelo nome de exceção do “segredo de mercado” e sua afirmação baseia-se na ideia de que tal divulgação acarretaria um prejuízo considerável à posição competitiva de uma empresa comercial. A maioria das leis sobre liberdade de informação transfere para o governo o ônus de defender o sigilo, ou, em alguns casos, para uma entidade comercial que venha se opondo à divulgação. Não conheço caso algum em que tenha sido demonstrado, e reconhecido pela justiça, que pedidos feitos por organizações jornalísticas possam ser justificadamente recusados com base na alegação de que sua divulgação poderia resultar em “prejuízo considerável” (não pouco, mas considerável) à sua posição competitiva.
Um pedido de acesso, por uma organização jornalística, aos pedidos de outra organização jornalística seria ético? Não sei responder. Mas posso sugerir, com boa dose de certeza, que é inteiramente legal.
Mudando o foco, mas de maneira igualmente significativa, estão as questões que surgem relacionadas às leis de governo de encontro aberto [a Lei de Encontro Aberto apoia a princípio de que o processo democrático depende de o público ter conhecimento das considerações subjacentes a uma lei governamental. A Lei de Encontro Aberto exige que a maioria das reuniões seja realizada em público]. Todos os estados aprovaram uma Lei de Encontro Aberto e a mesma questão surgiu em todas as jurisdições: quando um órgão governamental dirige uma sessão fechada, muitas vezes chamada de “sessão executiva”, e identifica o assunto em questão a ser considerado, como podemos saber que aquilo foi realmente discutido? Como podemos saber se, durante a sessão a portas fechadas, o órgão governamental desviou-se do tópico identificado para outro inteiramente novo? Isso ocorre com muita frequência. Desviar-se de um tema para outro, muitas vezes sem reconhecer que o fez, é uma das normas da natureza humana. Numa sessão executiva, não sabemos se o órgão governamental cumpriu com a lei ao se ater à discussão do assunto a ser avaliado. Não temos opção senão confiar na esperança de que os membros daquele órgão conheçam a lei e ajam de boa-fé. É por isso que o papel da mídia é tão importante.
“A luz do sol é o melhor desinfetante”
Com base na experiência adquirida ao longo dos anos, sugeri que os repórteres se aproveitem de uma das regras da natureza humana: existe alguém, em quase todos os órgãos governamentais, disposto a divulgar seus segredos após o fim da sessão fechada. Se uma autoridade governamental considera bom ou ético divulgar informações após uma sessão fechada, é quase sempre uma questão separada e diferente, em termos legais. E, do ponto de vista do repórter, não há, com certeza, nada de aético em buscar a informação. Se há um tópico ético em questão, ele envolve o comportamento da autoridade governamental.
Seria aético, por parte do repórter, não identificar uma fonte quando uma autoridade governamental divulga informação obtida durante uma sessão fechada? De jeito nenhum. Uma vez mais, com base na Primeira Emenda, a imprensa tem a autoridade para determinar aquilo que é divulgado ao público e aquilo que não é nem necessita ser compartilhado.
E se um órgão governamental se encontra em sessão executiva e o repórter acredita, ou sabe, que a sessão fechada vem sendo conduzida de maneira inconsistente em relação à lei? Seria ético colocar um copo contra a porta, ouvir a conversa, concluir que a discussão deveria ter ocorrido em público e em seguida divulgar tudo? Isso, na realidade, já ocorreu e o órgão governamental vem sendo cuidadoso desde então em relação ao cumprimento das exigências da Lei de Encontro Aberto.
Em algumas jurisdições, colocar um copo contra uma porta poderia ser considerado uma escuta ilegal e, portanto, um crime. Mas o que é menos ético – um repórter colocando um copo contra uma porta e escutando uma conversa ou um órgão governamental realizando discussões e tomando decisões a portas fechas que deveriam ter sido tomadas em público?
Acho que a resposta é fácil. Se, por um lado, a mídia tem uma responsabilidade com seus leitores, ouvintes e espectadores, o público tem a opção de ler uma publicação diferente, ou nenhuma, ou mudar de estação ou de canal de TV. O público tem opções. O governo, por outro lado, tem uma responsabilidade maior de ser aberto, responsável e ético. Resumindo, ficamos presos ao governo até a próxima eleição, aos cortes no orçamento ou, no caso de algumas pessoas (como eu), até a morte ou a aposentadoria – o que chegar primeiro.
Algumas pessoas sugeriram que a “ética jornalística” é um oximoro. De muitas maneiras, pode sê-lo. Essa sugestão, no entanto, normalmente é feita quando jornalistas divulgam uma atividade questionável do governo. Uma frase que já repeti milhares de vezes para jornalistas e outras pessoas é atribuída ao juiz Louis Brandeis: “A luz do sol é o melhor desinfetante.” Acredito nisso e, com base na Primeira Emenda e nas leis de Encontro Aberto, pouco daquilo que é feito pelos jornalistas em seus esforços para obter informação do governo e divulgá-la ao mundo – excluindo o roubo – pode, em minha opinião, ser classificado como “aético”.