Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

A corrida eleitoral termina hoje, e confesso um tremendo alívio (coletivo, suspeito). A campanha inteira é difícil, mas, nas três semanas que separam o primeiro turno do segundo, as paixões e os ânimos explodem nas ruas e reverberam na caixa de mensagens.

É natural e esperada a overdose de reclamações. Parte delas é o jogo pesado dos “leitores” profissionais, aparelhados para chiar contra qualquer coisa que não seja a pura louvação a seu candidato –mas esses não importam aqui.

O que me interessa são os leitores genuínos, seja para dar-lhes razão quando acho que têm, seja para dizer-lhes que não concordo e explicar o princípio jornalístico em que se escora minha opinião.

Na semana final, nada galvanizou tanto as queixas como a manchete da quarta, dia 22.

“O jornal parece ter se posicionado de forma escancarada nos últimos dias, em especial hoje, quando, sem nenhuma explicação ou conexão com a realidade, estampa na capa que o Otimismo com a economia cresce e ajuda Dilma’“, escreveu o mineiro Alex Rodrigues.

Não era só um incômodo com o destaque da manchete, que a quatro dias da eleição era bastante positiva para a petista Dilma Rousseff, mas uma contestação à própria notícia: anunciar aumento de otimismo num cenário econômico acossado por números ruins é um contrassenso que parece violentar a realidade, apercebida pelo farto noticiário que divulga o oposto.

Contribuiu para a desconfiança a informação ser lastreada em uma pesquisa de opinião, ferramenta encarada com ressalvas desde os resultados do primeiro turno. “Onde o Datafolha foi pesquisar? No diretório nacional do PT?”, perguntou o paulistano Claudio Carneiro.

Vamos por partes. Acho uma escolha ruim o uso do verbo “dispara”. A sobriedade no uso das palavras deveria ser maior em períodos eleitorais, mas o título, a rigor, não está errado: por alguma razão difícil de atinar, o Datafolha apurou melhora substancial no humor da população sobre as expectativas econômicas no período de 28/9 a 21/10.

Também faz sentido acreditar que essa onda de boa vontade tenha exercido uma influência positiva nas intenções de voto e na avaliação de Dilma, como faz o enunciado.

O jornal errou, sim, mas foi no tratamento editorial do material. Não se joga do colo do leitor dados tão surpreendentes e aparentemente contraditórios sem um esforço prévio para destrinchar causas e nexos. Num momento tão delicado da corrida, a tentativa de compreender e explicar o fenômeno era tão fundamental quando registrar sua existência. Faltou reflexão e cuidado.

A Folha só fez isso no dia seguinte, quando a avaliação intuitiva professada na pesquisa foi temperada com gráficos que traziam os números reais (ruins) da economia, e o jornal compartilhou a perplexidade com economistas, cientistas políticos e sociais e marqueteiros.

Minha maior crítica é que a revelação aferida pelo Datafolha era um furo que a concorrência não tinha como dar. Era perfeitamente possível esperar mais um dia e colocar as informações em perspectiva, jogando luz no debate, em vez de aumentar o calor. Na afobação, a temperatura acabou queimando o prato.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo