O ex-presidente Lula teve o mérito de iniciar este tipo de retrospecto. Autorreferente, com matizes algo narcisistas, esta historiografia de palanque aguça a memória e estimula a verve comparativa quando as estatísticas tornam-se aborrecidas.
Encabeçam a lista de ineditismos algumas façanhas do próprio Lula, tal como a sua admirável ascensão de líder sindical a presidente da República e o inefável toque de Midas que deu-lhe poderes de converter postes em campeões de votos. A lista dos “nunca antes neste país” é longa – não é a toa que somos os reis do insólito.
Após uma batalha eleitoral de tirar o fôlego, conviria examinar apenas os recentes cotejos:
## Nunca antes neste país houve uma campanha eleitoral tão raivosa e inescrupulosa.
## Nunca antes neste país as baixezas foram assumidas com tanta hipocrisia. Desconstrução, uma ova – assistimos a verdadeiros fuzilamentos morais combinados com uma cruzada para cassar o direito de divergir.
## Nunca antes neste país as divergências foram tão radicais, profundas e amplas a ponto de rachar amizades, famílias, ambientes de trabalho, vizinhanças. Nem mesmo em 1º de abril de 1964, quando os militares tomaram o poder, ou 15 de janeiro de 1985, quando Tancredo Neves foi escolhido como presidente, houve tanta cizânia e rancor.
## Nunca antes neste país um ex-presidente da República perdeu a compostura indo à rua para fomentar ofensas pessoais e calúnias preconceituosas. A patota terrorista de que se a oposição vencesse acabaria com o Bolsa Família porque é inimiga do Nordeste é um atentado à integração nacional, jogada separatista, antipatriótica.
## Nunca antes neste país a autoridade encarregada de supervisionar uma eleição foi tão omissa e descuidada como a atual configuração do TSE ao permitir que o clima de confronto e baixaria chegasse à beira de rupturas. Quando os meritíssimos despertaram era tarde, conseguiram apenas uma espécie de trégua durante o último debate.
## Nunca antes neste país os marqueteiros tiveram tanta liberdade para avacalhar e deformar o debate como agora. Regredimos duas décadas em matéria de substância, programas, ideias e, sobretudo, educação política. Não houve divergências, houve um faz-de-contas circense quando o candidato perguntava uma coisa e o antagonista respondia outra, rigorosamente desconectada.
## Nunca antes neste país as redes privadas de TV mostraram-se tão despreparadas e inapetentes para oferecer a uma audiência cativa, ávida para aprender e entender, espetáculos tão ocos e tão distanciados do verdadeiro jornalismo.
Sinal de mudanças
Diante de tantos e tão deprimentes “nunca antes neste país”, a imprensa ofereceu sua patética contribuição ao aceitar e não demarcar-se mais claramente da denúncia da revista Veja de que a candidata-presidente, Dilma Rousseff e o seu antecessor, Lula da Silva, sabiam das malfeitorias que ocorriam na Petrobras.
Vejafoi imprudente e irresponsável quando publicou a entrevista de Pedro Collor denunciando o irmão-presidente, em 27 de maio de 1992. Não tinha provas, pistas, indícios, evidências, apenas suspeitas. Felizmente confirmadas. E se não o fossem? Publicaria uma errata ou carta do leitor-presidente achincalhado na maior publicação do país?
Passados 22 anos, Veja repete o seu número preferido que pretende converter paradigma: a reportagem-chute. É possível – mas não desejável – que a informação venha a ser confirmada quando a íntegra da delação do doleiro Alberto Youssef for liberada para publicação. Até lá é pura calúnia, “yellow journalism”, jornalismo marrom, tentativa de influir numa eleição. Felizmente fracassada.
Ao contrário do que vinha acontecendo com as recentes sacações do semanário, desta vez a mídia informativa relutou em associar-se ao aventureirismo. Na edição da sexta-feira (24/10), a Folha de S.Paulo não mencionou a denúncia divulgada na véspera pelo site da revista. Fato inédito. No sábado (25) valorizou-o, já que a denúncia fora intensamente mencionada no debate televisivo da noite anterior.
O Globo noticiou na sexta, na capa, porém sem destaque e, no texto, preferiu o condicional, “saberia”, “teria dito” etc. Na mesma sexta, os telejornais da TV Globo, inclusive o Jornal Nacional, passaram ao largo do assunto. Fato também inédito. Só tratou dele no sábado, por conta das pichações da sede da Editora Abril pela militância petista e pelo embargo do TSE à propaganda da revista.
Conclusões:
## Nunca antes neste país a corporação jornalística ofereceu tantos sinais de divergências e tão disposta quebrar o monolítico pool noticioso.
## Nunca antes neste país uma irresponsabilidade singular conseguiu abrir espaço para uma promessa de pluralismo. É possível que as mudanças no Brasil comecem na redação de Veja.
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