Muita gente acha que EUA e China estão fadados a competir duramente pela liderança global. Que são representantes de sistemas e visões de mundo divergentes e concorrentes, uma divisão do tipo EUA x União Soviética. Mas dois eventos recentes, protagonizados por dois dos maiores novos líderes empresariais das duas nações, deixaram-me com convicção oposta.
O primeiro evento foi o lançamento estrondoso das ações da empresa de comércio eletrônico chinesa Alibaba na Bolsa de Nova York, em setembro –o maior da história.
O segundo ocorreu na semana passada, em Pequim, quando Mark Zuckerberg, 30, fundador do Facebook, surpreendeu plateia de estudantes e professores da Universidade Tsinghua falando mandarim.
Zuckerberg, casado com uma chinesa-americana, explicou que estudou chinês por três motivos: 1) falar com a avó da mulher e outros parentes; 2) a China é um grande país, e ele quer estudar sua cultura; 3) a China é difícil, e ele gosta de desafios.
A China de fato tem sido difícil para o Facebook e outras gigantes de tecnologia ocidentais como o Google, barradas total ou parcialmente no país. O simpático gesto de Zuckerberg certamente vai ajudá-lo a lidar com essas dificuldades e conquistar corações e mentes da população em geral e, quem sabe, das autoridades chinesas.
Nesse sentido, ele se tornou membro do conselho consultivo da Universidade Tsinghua, considerada a MIT chinesa, e por isso estava ali falando a alunos e professores.
Sabedoria e sorte
Com 1,3 bilhão de usuários no mundo, o Facebook olha para a China como sua nova fronteira a conquistar, se as autoridades comunistas permitirem. Mas o papel relevante das redes sociais nos protestos pró-democracia de Hong Kong podem anular qualquer iniciativa de relações públicas de Zuckerberg.
Muitos criticaram sua pronúncia e vocabulário numa língua famosa pela dificuldade que oferece aos não nativos. Um crítico disse que Zuckerberg parecia um menino de sete anos falando. O público, de qualquer forma, adorou, oscilando da admiração ao riso. Quando não entendia uma pergunta, Zuckerberg, esperto, ficava quieto até que o próprio autor da pergunta a refizesse de forma mais fácil.
Questionado sobre o futuro do Facebook na China, ele foi diplomático. “Nós já estamos na China”, disse, provocando mais gargalhadas. “Nós ajudamos as empresas chinesas a ganhar clientes no exterior”, explicou.
Já Jack Ma, 50, o empreendedor chinês que fundou o Alibaba, tem menos problemas para falar com os investidores que devoraram as ações de sua companhia em Nova York. Ma foi professor de inglês e seu espírito empreendedor está muito mais para Bill Gates que para Mao Tsé-tung.
Ele foi um dos primeiros empresários da internet na China e fundou o Alibaba em 1999. Segundo o “Financial Times”, o portal de varejo on-line hoje representa cerca de 8% das vendas do varejo chinês, enquanto nos EUA todo o comércio on-line em 2013 representou apenas 6% das vendas totais do varejo.
Com o IPO em Nova York, Ma vendeu 15% de sua empresa e levantou US$ 25 bilhões para expandi-la pelo mundo, inclusive no Brasil, onde está já entre as maiores do comércio eletrônico.
De personalidade extrovertida, ao contrário do tímido Zuckerberg, Ma costuma comandar megaeventos na China onde defende o empreendedorismo sustentável como caminho do desenvolvimento. “Nosso desafio é ajudar as pessoas a ganhar dinheiro de forma saudável e sustentável, dinheiro que é bom não só para elas mas para toda a sociedade.” Não parece um empreendedor ocidental falando?
Ma e Zuckerberg compartilham ainda a visão de que o futuro de seus negócios está na expansão da internet para boa parte da população mundial ainda sem acesso à rede.
Os dois, portanto, têm muito em comum e mostram que o mundo, com sabedoria e sorte, caminha mais para o consenso do que para o dissenso, mais para o capitalismo responsável e solidário do que para modelos de produção exploratórios.
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Nizan Guanaes é publicitário, presidente do Grupo ABC e colunista da Folha de S.Paulo