Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Che Guevara, em uma caixa de charutos

 

Não são os 4.000 negativos de Robert Capa, Chim (David Seymour) e Gerda Taro, ocultos durante 70 anos e guardados em três pequenas caixas embrulhadas em um saco plástico da Previdência Social mexicana. Mas têm suas semelhanças. Aquele material abundante e precioso sobre a Guerra Civil espanhola foi revelado por Francisco Aguilar González, embaixador do México na França entre 1941 e 1942. Agora, o mundo toma conhecimento da aventura de outras fotos históricas, oito imagens de Che Guevara que permaneceram escondidas por quase meio século e que não viajaram em uma maleta diplomática. Elas transitaram na bagagem de um padre, um missionário de Zaragoza enviado à Bolívia que as recebeu de um fotógrafo francês como cópias caso ele próprio não pudesse tirá-las do país sul-americano.

Agora que a execução de Ernesto “Che” Guevara completa 47 anos, na pequena cidade espanhola de Ricla, na província de Zaragoza, uma caixa de charutos guarda as imagens do cadáver do líder guerrilheiro, duas delas com sua companheira, Tamara Bunke, codinome “Tania”, a única mulher do grupo. Imanol Arteaga é o guardião das fotos. Elas estão em sua casa há um ano e meio. “Che fumava charutos”, comenta, enquanto mostra eufórico o tesouro contido na caixa. “Meu tio, o religioso Luis Cuartero, irmão da minha mãe, era quem tinha as imagens. Algumas são bem conhecidas, outras podem ser reconhecidas, e há algumas diferentes também”. O missionário Cuartero as levou para a Espanha entre o fim de outubro e o início de novembro de 1967, ano em que mataram o comandante revolucionário.

Imanol descreve com paixão a maneira como as fotos chegaram a suas mãos. Reconhece que ainda há partes desconhecidas em sua história, mas tem uma certeza: são revelações copiadas por segurança pelo jornalista francês Marc Hutten, correspondente da France Presse, das fotos que fez de Che já morto. “Hutten chegou à região de Sucre, na Bolívia, e se estabeleceu em uma missão protestante que tinha seu sobrenome. Naquele tempo, os missionários católicos e protestantes eram muito próximos, pois eram poucos. Por isso, quando ele fez as fotos, com medo de não poder tirá-las do país, entregou-as ao primeiro europeu que fazia a viagem de volta ao continente: meu tio. Além disso, era um padre. Quer mais segurança que isso?”. Cuartero regressou à Espanha para assistir ao casamento dos pais de Imanol, em 1967. “Meu tio passou 11 anos na Bolívia desde 1959. Foi diretor do seminário de Sucre”.

La Higuera

As fotos indicam uma revelação feita às pressas. As originalmente coloridas foram reveladas em preto e branco, em um papel “certificado” que já não se fabrica há mais de 30 anos. Por que só agora Imanol as traz ao mundo? “Sempre ouvimos falar que em casa havia fotos de Che, era uma lenda. Quando meu tio faleceu, há dois anos, minha tia confirmou a existência delas: estavam em um envelope junto com outras que ele guardou sem contar a ninguém”. Imanol é um inquieto deputado na Assembleia da região autônoma de Aragão pelo partido União Aragonesa (CHA) e vice-prefeito de sua cidade, além de liderar o grupo local de paleontologia. Curioso e entusiasmado, comentou o assunto com um amigo, Oliver Duch, fotógrafo de um importante jornal local. Os dois examinaram as fotos e confirmaram sua autenticidade. Ele, então, decidiu contar a história por ocasião do aniversário da execução de Che (fuzilado pelo Exército boliviano em 9 de outubro de 1967). “Não penso em vendê-las. Pelo amor de Deus! Seria trair meu tio. Além disso, elas são um tesouro”.

Imanol nunca chegou a falar com Hutten. “Infelizmente, ele morreu dois meses antes do meu tio”. Também lamenta que seu tio não tenha chegado a conhecer Che, apesar de exercer o sacerdócio muito perto do lugar onde o guerrilheiro foi morto, em La Higuera. “O seminário ficava a meio caminho dali”, diz o espanhol. O padre voltou para Zaragoza e se tornou diretor de uma escola católica local. Seu sobrinho acaricia seu tesouro: “Vou continuar investigando essa história”, avisa Imanol.

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Concha Monserrat, do El País