A platéia brasileira sempre demonstrou apreço, a julgar pelas bilheterias, pelos filmes de James Bond. De uns anos para cá, as engenhosas estratégias que o herói vivia nas telas passaram a integrar a realidade político-econômica nacional.
Grampos, relatórios secretos, denúncias, propinas, câmeras escondidas, entre outras práticas, invadem os noticiários. De um modo ou de outro, a esfera governamental acaba por ser o vértice de triangulações nebulosas. Como centro das disputas, desde as privatizações promovidas pelo governo anterior, situa-se o campo das telecomunicações.
A história, ao que parece, tem, nas suas origens, algo de podre e perdurante. Os grampos, no auge do governo FHC, sentenciaram Luiz Carlos Mendonça de Barros, entre outros. Agora, surge, em meio a informações ainda desencontradas, a possível participação de membros do primeiro escalão do atual governo em tramas com empresas (Telecom Itália, Brasil Telecom, Opportunity, Parmalat, Kroll, Banco do Brasil, fundos de pensão e sabe-se lá quantas mais).
Oferta de inteligências
Desde a publicação da reportagem de Márcio Aith na Folha de S. Paulo (‘Empresa privada espiona o governo’, 22/7), notícias e artigos se sucedem com afirmações, desmentidos, prisão de espião português… Enfim, é um enredo a produzir mais aturdimento que esclarecimentos capazes de efetivamente conduzir a punições exemplares. Uma coisa, pelo menos, o novo caso trouxe como revelação: a existência de empresas direcionadas à ‘inteligência competitiva’.
É inacreditável como o ‘submundo dos negócios’ consegue nomear suas inescrupulosas atividades. A matéria publicada pela Folha, em sua edição dominical (‘Kroll fatura US$ 700 mi ao ano no mundo’, 25/7), revela que, no Brasil, já se somam 500 empresas para esse fim, além de existir entidade legalmente registrada com o pomposo nome de Associação Brasileira de Analistas de Inteligência Competitiva (Abraic).
Afora a progressiva escalada do terrorismo, o século 21 vem oferecendo amplo leque para sanar a ignorância: ‘inteligência emocional’ (via livro), ‘inteligência artificial’ (via cinema) e ‘inteligência competitiva’ (via mercado). Com o nobre rótulo, espionagem passou à condição de profissão com direito a registro, associação e altas remunerações.
Como se vê, o século 21, ainda em seus primeiros anos de vida, tem promissora trajetória – quanto mais não seja, o encargo de revelar ao mundo outras tantas ‘inteligências’ com as quais haveremos de nos regozijar. Para tanto, não deve faltar a tolerância para absorver, em doses crescentes, o cinismo. A propósito, talvez seja oportuno pensar na possibilidade de haver a ‘inteligência cínica’, cujos atributos ainda serão dados a saber. Enquanto isso, esperemos pelas próximos desdobramentos.
De sua parte, o atual governo, cujos integrantes sempre primaram pela pureza de conduta, vai acumulando ocorrências preocupantes. Gravitam na órbita do governo – sem que tal registro lhe confira responsabilidade – fatos que, ao menos, denotam fragilidade e inexperiência: assassinatos de dois prefeitos, propinas do caso Waldomiro, os ‘vampiros’ do Ministério da Saúde, compra de ingressos pelo Banco do Brasil para show do PT, agora a rede sinistra de interesses corporativos. Algo de estranho transita pelos corredores de Brasília.
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Ensaísta, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular do curso de Comunicação das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro