Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Juízo Final e a festa da República

Para um procurador do Ministério Público a formidável operação policial desfechada na sexta-feira (14/11) foi uma forma apropriada de comemorar os 125 da proclamação da República.

Para um alto funcionário da Polícia Federal, a envergadura da ação produzirá um estrago tão grande quanto o dia do Juízo Final. Avaliações corretas: os guardiões da Res Publica, a Coisa Pública, além da excelência profissional, demonstram uma sofisticação intelectual à altura. Longe, felizmente, das encenações do tipo Satiagraha.

À revelia dos candidatos que há três semanas se digladiavam com estatísticas, a nova fase da Operação Lava Jato tem todas as condições para converter-se em marco das grandes mudanças prometidas ao longo da campanha eleitoral. Deverá impor-se até mesmo à composição do novo ministério e comando do parlamento, pautar a própria agenda de reformas e esvaziar a prematura excitação em torno das disputas de 2016 e 2018.

A tremenda crise hídrica e a prolongada estiagem que castigam parte do país não impediram que os jatos desta lavagem sejam fartos, fortes e penetrantes. O diabólico processo de desconstrução de candidatos e agentes políticos empreendido por estrategistas irresponsáveis durante a campanha eleitoral deverá prosseguir com redobrada fúria. Era esperado: só os ingênuos poderiam imaginar que um processo destrutivo e avassalador como aquele poderia ser rapidamente interrompido com um premir de botões ou manivelas.

No inesquecível Fantasia de Walt Disney (1940), na fábula musicada por Paul Dukas, o aprendiz de feiticeiro incapaz de interromper o processo que deslanchou é protagonizado pelo ratinho Mickey. No bizantino Brasil Central, os trainees – estagiários – em matéria de desconstrução foram antas alopradas, incapazes de compreender que a violência é um processo dinâmico, incontrolável. Instalado, só cede depois de cumprir todas as etapas e ritos.

Dupla metáfora

Não bastasse o extenso rol de implicações políticas, o Petrolão poderá acelerar os mecanismos de convergência criminal. No dantesco cenário mexicano que se descortinou depois da chacina dos estudantes em Iguala, fica visível a atração das delinquências, o entrelaçamento do narcotráfico à corrupção política e à corrupção policial para atender a insaciável malha interesses escusos que se articula nos desvãos do Estado.

Não chegamos lá, os tentáculos do crime organizado ainda não se entrelaçaram com os da corrupção política. Falta pouco: no Rio, em certas intersecções há uma natural aproximação da informalidade com a ilegalidade. A remessa dos fabulosos recursos obtidos através de comissões e propinas ilícitas fatalmente acaba por usar os canais e conexões que levam os ganhos do narcotráfico e da contravenção aos paraísos fiscais. O universo das malfeitorias se sustenta graças à sua incrível porosidade capilaridade.

A coincidência do Juízo Final com a festa da República é uma dupla metáfora que não convém cultivar. Melhor fazer da República uma entidade sadia, sólida, para sempre distante de tribunais. E, quem sabe, parlamentarista?