Em 20 de novembro comemoramos o Dia da Consciência Negra. A escolha da data não foi por acaso. Remete à morte do líder negro Zumbi dos Palmares, ocorrida em 1695. Conforme é do conhecimento de todos, os negros foram arrancados de suas terras na África e escravizados durante mais de três séculos e meio no Brasil. Após a abolição da escravatura, os negros libertos não receberam qualquer tipo de assitência estatal, transformando-se em verdadeiros párias da sociedade brasileira. Segundo o sociólogo Florestan Fernandes, o afrodescendente também foi excluído da nascente “sociedade de classes” no Brasil, pois não exerceu a função de proletariado (destinada ao imigrante europeu) e muito menos ocupou posições de capitalista. Lembrando um clássico samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, apesar de livres do açoite e da senzala, os negros continuam presos na miséria da favela.
Sendo assim, o Dia da Consciência Negra é uma data para lembrar a resistência dos cativos à escravidão e refletir sobre a atual situação do elemento de cor em nosso país, principalmente a maneira pela qual ele é retratado na mídia hegemônica. Nesse sentido, não é preciso uma longa análise hermenêutica para constatar que nos principais meios de comunicação de massa os negros ainda continuam sendo associados a antigos estereótipos como a “mulata sensual”, o “bandido” ou o “negro malandro”; e a profissões consideradas socialmente inferiores, como empregadas domésticas e jardineiros. Nas campanhas publicitárias são raros os rostos de pele escura.
Libertação inconclusa
O nefasto estereótipo da mulher de cor associado à libido, por exemplo, encontrou nos meios de comunicação de massa um terreno fértil para a sua propagação. Nas principais telenovelas da Rede Globo, geralmente as atrizes negras interpretam a mulher de vida fácil, a “gostosona” ou a amante. Em 2004, a primeira trama protagonizada por uma atriz negra (Tais Araújo) trazia o tendencioso título de A Cor do Pecado (evidentemente que o “pecado” em questão é a luxúria). Conforme bem lembrou Daniel Oliveira, em artigo no jornal O Tempo, a televisao brasileira não possui um único autor de teledramaturgia negro. “Muito já foi falado sobre a quase inexistência de protagonistas e atores não-brancos nas novelas, ou a baixa diversidade dos elencos. Mas pouco ainda se discute sobre a raiz desse alvejamento: a ausência de negros roteiristas e diretores, nas posições de real controle criativo dessas produções”, enfatizou Daniel. Já o maior símbolo do carnaval da emissora da família Marinho é a “mulata Globeleza”, que costuma se apresentar de uma maneira extremamente sensual. Não obstante, o polêmico seriado Sexo e as Nêga, que estreou recentemente, ao exibir várias cenas de mulheres negras em situações libidinosas, só vem a corroborar a tese de que, em pleno século 21, a grande mídia brasileira ainda continua sendo norteada por um sexismo racista herdado do período escravocrata.
Além da estigmatização em telenovelas, os negros também são ridicularizados nos programas de humor (o famoso “politicamente incorreto” nada mais é do que um eufemismo para disseminar preconceitos), tratados de maneira humilhante nos programas policiais e encontram em publicações da imprensa conservadora (principalmente na revista Veja) um importante obstáculo para as suas principais causas e reivindicações (como o sistema de cotas raciais e políticas sociais para a população mais pobre). Em suma, mais de trezentos anos após a sua morte, a luta de Zumbi dos Palmares pela verdadeira libertação do negro continua atual.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG