Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que há de errado com o mundo

O título é de um livro de G. K. Chesterton, de 1910. As provocações dele continuam, em boa parte, atuais, e é tentador aplicá-las à Internet. Vejamos o tema central: o livro defende que, mesmo sendo fácil achar consenso na identificação e crítica dos erros que encontramos na sociedade, a essência está em concordar que solução adequada propor. Muitas vezes não há acordo na meta, ou em como medir se foi atingida. Por falta de compreensão e de esforço, ideias excelentes – que poderiam “salvar o mundo” – são abandonadas, não por haver dúvidas quanto ao seu mérito, mas por não haver acordo em sua implantação. Chesterton diz que, mais do que um mundo onde se empilham ruínas de ideias vencidas ou superadas, temos um mundo de construções inacabadas, abandonadas.

Tento um exemplo atual: certamente há consenso de que devemos combater rapidamente a poluição. É fácil declarar apoio a esse combate. Mas qual o caminho? Uma ideia aparentemente bem recebida é desestimular o transporte privado, eventualmente trabalhando na implantação de ciclovias.

Parece algo meritório e socialmente importante, mas está longe de ser fácil e, certamente, não teremos para a “solução” o mesmo consenso que temos quanto ao “problema”. Assim, por variados motivos e oposições, essa ideia pode ficar inacabada.

Boa oportunidade

Internet: há consenso, sem dúvida, dos riscos que ela traz, das fraudes que lá ocorrem, das falsas informações que circulam. Ou seja, todos concordamos que há problemas na rede. O que não encontra consenso é, então, qual a rede que queremos e, consequentemente, como chegar lá. Parece mais razoável aceitar a realidade de que, ao lado de problemas, a rede nos trouxe infinitamente mais vantagens e tentar, paulatinamente e sem ferir seus conceitos fundamentais, caminhar da direção do objetivo maior e mais nobre. Nessa linha, ao final do livro, há outra analogia como parábola: ao se verificar uma praga de piolhos numa comunidade de periferia, os higienistas estipulam que se cortem os cabelos das meninas.

O certo – matar os piolhos e melhorar o ambiente – é abandonado pelo mais fácil, mesmo que isso humilhe as crianças e destrua sua autoestima. Ainda na Internet, semana passada lançou-se tentativamente uma proposta de plataforma onde projetos de qualquer origem e variados objetivos seriam divulgados, debatidos e buscariam suporte da comunidade para se tornarem realidade: a iniciativa NETmundial. Para muitos, isso contribuiria para a melhoria da rede. É claro que, também, choveram críticas, tanto dos que leram e por algum motivo não gostaram, quanto dos que sequer a leram, mas igualmente a criticam, por não se alinharem com os propositores.

É comum que uma boa ideia, em vez de ser analisada em si, na sua essência, seja prejulgada porque recebe apoio de setores que não se alinham à nossa visão.

Não sei se a Iniciativa NETmundial irá melhorar ou não a rede, mas sei que, se for abandonada sem ter sido testada, podemos estar perdendo, de novo, uma boa oportunidade. Será mais uma obra inconclusa. Diz Chesterton: “… o que está errado no Mundo é não nos perguntarmos o que está certo”.

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Demi Getschko é conselheiro do Comitê Gestor da Internet e colunista do Estado de S.Paulo