Que tipo de serviço é o acesso à internet? Na semana passada, houve uma discussão importante nos Estados Unidos a respeito disso, por causa de um discurso do presidente Barack Obama. Ele defendeu que a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) criasse um regulamento bastante rígido na defesa da chamada neutralidade de rede.
Pelo princípio da neutralidade, as operadoras de telecomunicações devem tratar todo o tráfego da internet da mesma forma. Não é permitido bloquear conteúdos ou oferecer via rápida para empresas de internet que estiverem dispostas a pagar por isso. A FCC é a agência reguladora das comunicações nos EUA.
A proposta criou polêmica. Em primeiro lugar, porque a FCC é uma agência independente e, apesar de apontar diretores para o seu conselho, o presidente não tem poder para dizer o que eles devem fazer. Até por causa disso, Tom Wheeler, presidente da FCC, já sinalizou que não vai adotar a proposta de Obama integralmente. Wheeler propõe criar um regulamento que garanta “uma internet aberta que não afete os negócios”.
Um ponto bastante polêmico do discurso de Obama é classificar o acesso à internet como serviço de telecomunicações. Até aqui, a banda larga tem sido um serviço desregulamentado. Com a reclassificação, a FCC teria maior segurança para criar regras sobre a neutralidade. O regulamento anterior foi derrubado na Justiça, sob o argumento de que a agência não tinha responsabilidade pela banda larga.
A reclassificação traria para o acesso de internet uma série de regras que hoje se aplicam a serviços de telecomunicações, como a telefonia. Entre elas, tarifas reguladas. A troca de tráfego também deixaria de ser livre. Serviços de conteúdo que originam muito mais tráfego do que recebem (como, por exemplo, o YouTube e a Netflix) poderiam ser cobrados por essa assimetria.
É importante acompanhar essa discussão. Por aqui, o acesso à internet é considerado um serviço de valor adicionado. Ou seja, também não é considerado serviço de telecomunicações. Mas existe uma pressão crescente para mudar isso. A criação de regras de qualidade para o acesso à internet, com garantia de velocidade, foi um primeiro passo nessa direção. Como todas as telecomunicações estão sendo incorporadas pela internet, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) teme acabar esvaziada, se não houver uma reclassificação de serviços.
Outro motivo é que a neutralidade foi garantida, no Brasil, pela aprovação do Marco Civil da Internet. Mas a legislação prevê que um decreto presidencial vai definir exceções. Se essas exceções não forem bem definidas, a neutralidade de rede pode deixar de existir, na prática.
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Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo