Nesta avalanche de informações, o grande desafio para o observador da imprensa é identificar suas omissões, buracos, brechas. As distorções não são difíceis de localizar, basta comparar coberturas. Os vazios são mais complicados: devem ser identificados, entendidos e contextualizados.
Exemplo disso foi a viagem do presidente Lula à Colômbia no último fim de semana. Os jornalões da segunda-feira (21/7) mostraram o nosso presidente com o seu colega Álvaro Uribe na localidade de Leticia assinando um acordo militar regional e participando das comemorações dos 198 anos da independência colombiana.
Mas o El País (‘El periódico global en español’, agora também impresso no Brasil) destacou no mesmo dia o encontro de Lula e Uribe dentro da cobertura das manifestações internacionais pela libertação dos reféns que ainda em poder das FARC (págs. 2-3).
‘A mensagem que Lula envia com a sua visita à Colômbia, onde assinou importantes acordos de cooperação econômica, militar e segurança fronteiriça, não pode ser mais clara. Há um eixo social-democrata [no Brasil] que se demarca do bolivarianismo’, assinala o jornal.
Este tipo de análise não aparece na cobertura da mídia brasileira porque pareceria oficialista. Mas é pertinente, necessária. Sobrou por razões extra-jornalísticas, subjetivas, em função das aparências: jornal independente não elogia governos. Tolice, caipirismo. Registrar acertos dá maior credibilidade às críticas.
Mais substância
Omissão mais gritante está no resto da cobertura na mesma edição (21/7) do El País sobre as FARC (pág. 4), e que também diz respeito ao Brasil. No sábado (19), reuniram-se em Manágua para comemorar os 29 anos da revolução nicaragüense os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, do Paraguai, Fernando Lugo e de Honduras, Manuel Zelaya. O anfitrião, Daniel Ortega, esqueceu por momentos o aniversário da sua revolução sandinista para proclamar a decisão de falar com as FARC sobre a libertação dos demais reféns ‘mesmo sem autorização’ [de Uribe]. Fica evidente que Chávez prefere agora sentar-se no banco dos reservas.
O jornal Valor Econômico também ofereceu um ‘algo mais’ latino-americano e mandou um repórter à Colômbia amazônica para mostrar que apesar das derrotas políticas, as FARC ainda dominam um bom pedaço do país.
El País não mandou nenhum jornalista a Manágua, serviu-se da rede de correspondentes da agência espanhola EFE (que qualquer jornal brasileiro também poderia contratar) para oferecer uma visão macro, compatível com as necessidades do momento.
Com a sua magnífica cobertura das manifestações em Bogotá e Paris, acrescida da análise sobre o papel regional do Brasil e o contraponto da festa sandinista, o pequeno jornalão espanhol desvenda uma situação que a mídia nativa não consegue oferecer ao seu público por mais que recorra aos explicadores oriundos das universidades.
Esta é uma omissão sobre a qual vale a pena debruçar-se. Não seria um contra-senso privar o leitor do noticiário internacional, sobretudo latino-americano, no momento em que os grandes grupos empresariais brasileiros empenham-se em aumentar sua presença global?
Não está na hora de oferecer ao nosso público mais papel, isto é, mais espaço informativo? O leitor qualificado, o leitor que traz anúncios, não merece mais substância? Esta omissão entre dezenas de outras merece reflexões. Tem algo de suicida: enquanto tagarelam sobre sua extinção os jornais, conformam-se com a sua lenta e gradual secundarização.
Ato ou efeito
A batalha pela qualidade trava-se todos os dias, em todas as edições, cadernos e coberturas. No Brasil, o grande debate jornalístico do momento resume-se em apostar quem comprará o Estado de S.Paulo, caso seus acionistas decidam vendê-lo.
Omissão – segundo o dicionário Houaiss – é o ato ou efeito de não fazer o que moral ou juridicamente se deveria fazer, e de que resulta, ou pode resultar, prejuízo para terceiros ou para a sociedade.