Ainda que timidamente, os jornais começam a revelar o envolvimento de representantes de outros partidos, além daqueles que formam a aliança governista, no escândalo da Petrobras. Também de maneira discreta, colunistas já se referem à possibilidade de a “Operação Lava-Jato” ser ampliada para os níveis de uma “Operação Mãos Limpas”, como a força-tarefa que restringiu as ações da máfia na Itália nos anos 1980 e 1990.
Embora o PT e o PMDB apareçam no centro da cena, há citações ao PP, ao PSDB e ao Partido Democratas. Como no histórico processo comandado pelos procuradores Giovanni Falcone e Paolo Borsellino – que acabaram assassinados pelos mafiosos –, o inquérito brasileiro é montado como uma árvore, e tem potencial para se desmembrar em uma variedade de ações judiciais específicas, que podem ser referenciadas entre si. Esse sistema permitiu à justiça italiana chegar ao topo do poder corrupto, desmascarando as mais altas patentes do governo do país, como os primeiros-ministros Bettino Craxi e Giulio Andreotti, e ao mesmo tempo alcançar o sistema capilarizado da Cosa Nostra.
Essa é, aparentemente, a estratégia elaborada pelo juiz Sergio Moro no caso da Petrobras, como se pode depreender do noticiário. Embora o conjunto das provas e suspeitas indique a existência de uma rede envolvendo todas as grandes empreiteiras que realizam obras de infraestrutura para o poder público, o esquema é mais simples porque repete o mesmo modus operandi há muitos anos, mudando apenas os nomes de alguns dos protagonistas.
O resultado do esforço de investigação vai depender de certos elementos que não são muito visíveis a olho nu. Um deles é o papel da imprensa, que produz um efeito espelho e influencia a ação das autoridades que conduzem o processo.
Na Itália, a mídia demorou a se incorporar ao esforço contra a invasão da política pelo crime organizado, em parte porque muitos jornais estavam mancomunados com o governo do Partido Socialista Italiano e pelo fato de a mídia regional ser submissa ao poder terrorista da máfia. Mas o exame do noticiário da época mostra que não houve um movimento homogêneo e corporativista da imprensa.
O risco da leniência
O desembargador aposentado Walter Maierovitch, certamente o brasileiro que estudou com mais profundidade a “Operação Mãos Limpas” e foi amigo pessoal do procurador Giovanni Falcone, costuma dizer que a melhor estratégia para combater o crime organizado é expor e atacar seu sistema econômico.
O processo na Itália permitiu retirar das contas da Cosa Nostra cerca de 60 bilhões de euros em vinte anos. Esse é, aparentemente, um dos objetivos no caso da Petrobras, mas os jornais têm dado espaço para algumas propostas restritivas. A ameaça de perda de receita poderia levar as empresas envolvidas a aderir a um programa de colaboração com a Justiça, e a imprensa tem dado voz a alguns protagonistas que parecem jogar nesse sentido.
Não se pode ignorar, por exemplo, aparições recentes do presidente do Tribunal de Contas da União, João Augusto Nardes, do ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Todos eles se referem à possibilidade de um “acordo de leniência” com as empreiteiras, mas não se deve perder de vista que isso pode limitar o alcance do processo.
É de se questionar, por exemplo, o papel do TCU, a quem caberia examinar os contratos que agora se revelam irregulares. Uma das citações à omissão do órgão foi feita pelo colunista Janio de Freitas (ver aqui) em outubro, lembrando que os ministros da instituição, bem como outras entidades responsáveis pelo bom funcionamento do Estado, só se movem em episódios que “animam as redações”.
Nardes, indicado pelo Partido Progressista para o TCU, transita pelo noticiário como o ilustre magistrado que defende a repactuação dos contratos sob suspeita, sob a alegação de que, se as empreiteiras forem consideradas inidôneas, suas obras terão que ser interrompidas e “o país será paralisado”.
A preocupação faz sentido, mas, nesta altura dos acontecimentos, com depoimentos e provas suficientes para desmascarar a associação entre partidos e empresas, qualquer sinal de “leniência” por parte das autoridades encarregadas do processo será visto pela sociedade em seu significado estrito, conforme aparece nos dicionários: “excessiva tolerância”.