Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um breve olhar na essência da televisão

Em 1957, dois dos maiores talentos da televisão brasileira – Carlos Alberto Loffler e Fernando Barbosa Lima – sacudiam o meio com a criação de Preto no Branco, na TV Rio. O programa, ao vivo (a tecnologia do vídeotape só chegaria seis anos depois), consistia numa entrevista (feita por Osvaldo Sargentelli, em off) com a vítima do dia, geralmente um político ou artista de destaque, que era literalmente estraçalhada por perguntas ferozes vindas de todos os lados – Sargentelli anunciava apenas o autor de cada uma. A criação era espantosamente simples e brilhante. O entrevistado sentava-se, solitário, sobre um banquinho, iluminado em tese apenas por uma luz vinda de um refletor postado verticalmente acima dele.

(Mais tarde, Barbosa Lima e Loffler melhorariam esta situação ainda mais, lançando uma nuvem de fumaça sobre o estúdio e fazendo girar o banquinho, de modo a que o convidado se visse completamente desorientado, sem saber sequer a posição das câmeras que o estavam captando).

Foi ali que Adhemar de Barros se viu submetido à célebre questão: “Dr. Adhemar, rouba mas faz é um slogan de campanha ou uma forma de ganhar a vida?”

Preto no Branco seria o começo da trajetória mais inteligente da televisão brasileira, que chegaria ao auge apenas cinco anos depois com a criação do Jornal de Vanguarda, na TV Excelsior, uma experiência de jornalismo opinativo até hoje não rivalizada no país.

Em 1979, na TV Tupi, depois de amargar cinco anos em sua primeira fase na TVE do Rio, Barbosa Lima lançou uma contrafação do Preto no Branco e alguns de seus outros programas. Chamava-se Abertura e, como o título indicava, aproveitava as brechas que as promessas de distensão do regime militar lhe asseguravam. Antigos colaboradores da época do Preto no Branco (Sargentelli) e do Jornal de Vanguarda (Luiz Jatobá) juntavam-se a novos personagens (como Glauber Rocha) para compor um programa que, embora sem o gás e a força criativa daqueles clássicos (e de outros, como Noite de Gala, de 1966), bebesse da sua água e levasse ao público um pouco do que representou para a televisão brasileira a melhor produção de Barbosa Lima antes e durante a ditadura.

>> Uma cena de Glauber no Abertura

Originalidade e coragem

É esse programa que o Canal Brasil começou a reprisar no domingo (23/11) e vai continuar fazendo por mais 12 semanas. Ou por outra: não se trata da reprise integral do Abertura, mas de bons trechos do programa, onde se incluem, nos três primeiros, entrevistas com Lula, Fernando Henrique e Flávio Cavalcanti – que, em 1957, havia sido uma das primeiras vítimas do Preto no Branco.

A dificuldade de se contar a história da televisão brasileira – e de qualquer outro lugar do mundo – consiste justamente nos quase 15 anos em que ela viveu sem registro magnético. Mas a televisão ao vivo – como provam programas como Preto no Branco, Noite de Gala e Jornal de Vanguarda – constitui o momento mais rico e criativo do meio no Brasil.

A televisão aberta vai voltar a ser feita ao vivo, como forma de sobrevivência diante de um cenário VOD (video on demand) onde o espectador monta a sua própria grade. Na verdade, isso já está acontecendo. Com exceção da dramaturgia, quase tudo já é ao vivo nas principais redes abertas brasileiras. O fato é que a simultaneidade de criação e recepção é um dos parâmetros que expressam a sintaxe original do meio, e não há como substituí-la sem prejuízos colossais para a TV como meio autônomo de expressão.

Nesta pequena reprise de trechos do Abertura, as novas gerações podem ter uma ideia da extraordinária contribuição de Fernando Barbosa Lima e Carlos Alberto Loffler para a televisão brasileira. É pouco, mas já é alguma coisa. Televisão, por mais estranho que possa parecer aos mais novos, não é um mero arremedo do cinema. Ela pode ser original, inteligente, corajosa. Como foram os programas dos quais o público tem a chance agora de ver uns poucos e bons lampejos.

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Nelson Hoineff é jornalista, produtor e diretor de televisão