O executivo da Warner Bros. Jeffrey Schlesinger ofereceu um jantar suntuoso em maio no jardim de sua casa, nas colinas de Hollywood. Ele convidou estrelas e produtores das próximas séries do estúdio americano: “Gotham”, uma história que precede o surgimento do Batman, e o drama criminal “Forever”.
Os convidados realmente no centro das atenções, porém, eram executivos de canais de TV estrangeiros, entre os 1.400 que visitavam Los Angeles naquela semana para comprar as mais recentes produções americanas.
Para a Warner Bros., que pertence à Time Warner Inc., e outros estúdios americanos, o licenciamento de programas de TV produzidos em Hollywood para canais fora dos Estados Unidos nunca foi tão lucrativo, proporcionando uma necessária fonte de receita às grandes empresas de mídia do país, num momento em que o mercado doméstico perde força.
De fato, o fluxo de caixa internacional está desempenhando um papel fundamental no financiamento de produções americanas ambiciosas, de séries que vão de “The Blacklist” a “CSI”.
O custo de produção está subindo com a disputa cada vez maior de canais de TV a cabo e serviços de streaming por programação original. O custo de uma série dramática típica subiu até 50% em cinco anos, para mais de US$ 3 milhões por episódio de uma hora, dizem agentes e analistas do setor.
Estúdios como a Warner pagam para produzir os seriados e depois os licenciam para canais como NBC e ABC. Mas as redes americanas pagam apenas parte dos custos – de 50% a 66% – deixando os estúdios com um grande déficit no orçamento dos programas. A venda para canais estrangeiros é cada vez mais vital para preencher essa lacuna e tornar os programas lucrativos.
Na indústria cinematográfica, produtores começaram a adaptar grandes filmes de ação ao gosto das audiências estrangeiras, principalmente a China, o que pode ser visto na mais recente sequência de “Transformers” (Transfomers 4: A Era da Extinção) que tem atores chineses e cenas filmadas em Pequim.
Na televisão, a dinâmica é um pouco diferente: os programas geralmente não são criados explicitamente para agradar o público internacional. Mas aqueles que possuem esse apelo, como “Gotham”, podem justificar os orçamentos elevados necessários para competir numa era de conteúdo de alta qualidade cada vez mais abundante.
Quando a receita internacional é robusta, “estamos dispostos a elevar o perfil de risco e gastar mais dinheiro no programa”, diz Schlesinger.
Fontes de crescimento
Este ano, a Warner deu a executivos estrangeiros mini iPads customizados com material e conteúdo dos novos programas.
O licenciamento de conteúdo para TVs estrangeiras é uma das várias táticas que as empresas de mídia dos EUA estão usando para atingir os aquecidos mercados internacionais, à medida que o mercado de TV por assinatura do país começa a ficar saturado. O crescimento das assinaturas de TV impulsionou os lucros das rede de TV americanas nos últimos 30 anos, criando maior demanda por conteúdo produzido por estúdios como a Warner.
Agora, as conexões de satélite e cabo nos EUA atingiram um pico em torno de 100 milhões de domicílios, uma penetração de 86,5%, comparada com uma média de apenas 48% em mercados fora dos EUA em 2013, segundo a corretora de valores Jefferies, o que mostra o grande espaço para expansão existente nos mercados europeus, asiáticos e latino-americanos.
À medida que surgem mais canais de TV fora dos EUA, aumenta também a demanda por conteúdo. O preço que redes internacionais pagam por programação de TV está crescendo a uma velocidade de dois dígitos, diz Benjamin Swinburne, analista da Morgan Stanley.
Além da Time Warner, a CBS Corp., produtora de séries como “NCIS” e “CSI”, também está explorando o mercado internacional, tendo faturado cerca de US$ 1,2 bilhão com licenciamentos em 2013. A empresa espera elevar essa receita em US$ 250 milhões por ano, segundo o grupo financeiro Macquarie.
A Warner Bros., que tem hoje 60 programas sendo transmitidos nas redes de TV e cabo dos EUA, gerou US$ 1,5 bilhão com licenciamento internacional de séries de TV no ano passado.
Em um evento realizado pela Time Warner para tranquilizar investidores quanto às perspectivas de crescimento da empresa, os executivos ressaltaram o grande potencial de venda de programas americanos no exterior e a produção de conteúdo para mercados locais.
Isso será fundamental para o crescimento da empresa, que pretende investir US$ 18 bilhões em conteúdo em 2018, quase 30% mais que em 2013.
Schlesinger diz que o crescimento é mais forte em grandes mercados europeus – como Alemanha, França e Reino Unido – e latino-americanos, incluindo Argentina, México e Brasil.
Serviços de streaming de vídeo como o Netflix são grandes fontes de crescimento. A Time Warner espera gerar cerca de US$ 385 milhões em vendas para serviços de assinaturas de vídeos on-line este ano, ante US$ 225 milhões em 2011, segundo a RBC Capital Markets. Vendas para o mercado externo representam 67% do total, segundo a empresa.
“Durante toda a década de 80, a área internacional não era compreendida. A receita aparecia e os estúdios diziam: ‘Muito bom esse dinheiro extra’”, diz Schlesinger.
“Era de ouro”
O fluxo de dinheiro estrangeiro se tornou mais relevante com o passar dos anos, à medida que mais redes de TV a cabo surgiam em outras regiões do mundo, complementando os canais de TV aberta que antes enfrentavam pouca concorrência e orçamentos limitados para conteúdo de Hollywood. Com a multiplicação de serviços de TV por assinatura, a demanda estrangeira cresceu mais ainda e, hoje, serviços de vídeo on-line, como o Netflix, estão virando grandes compradores.
“Gotham”, que tem um orçamento de cerca de US$ 4 milhões por episódio, exemplifica as grandes apostas que os estúdios e redes americanas estão fazendo hoje para satisfazer consumidores que encontram programas sofisticados numa ampla gama de canais a cabo – investimentos que tornam a receita internacional cada vez mais importante.
Essas séries caras estão elevando as despesas com programação em todo o setor, diz o analista de mídia da Jefferies, John Janedis. Ele estima que os custos da Time Warner subirão a uma média de 7,5% por ano entre 2013 e 2016, enquanto a Viacom Inc. registrará alta de 6% e a Disney, de 8%.
Como as redes americanas não cobrem o custo total dos programas, grandes estúdios podem facilmente registrar, num dado ano, déficits cumulativos de centenas de milhões de dólares em todos os programas produzidos – o que significa que precisam de outras fontes de receita para tornar os programas lucrativos. Vendas de reprises para outros canais americanos acabam gerando muito dinheiro, mas isso leva até quatro anos para acontecer.
Já a receita proveniente de vendas para canais internacionais ocorre durante o primeiro ano e por isso é essencial, juntamente com os pagamentos dos fornecedores de streaming. Em muitos casos, os canais estrangeiros fecham negócios com os estúdios mesmo antes da estreia dos programas – apostando que terão sucesso. “Estamos na era de ouro do licenciamento global de programas”, diz Janedis. (Colaborou Sam Schechner)
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Amol Sharma, do Wall Street Journal