Um fantasma ronda a Europa. Ele atende pelo nome “direito ao esquecimento”. Trata-se de um conceito jurídico que ninguém sabia direito o que era até a Corte Europeia de Justiça decidir torná-lo realidade.
O caso gerou manchetes globais. Um cidadão espanhol processou o Google e pediu para que fosse excluído do resultado de buscas sobre o seu nome a menção a uma cobrança de dívida que ele havia sofrido no passado.
A corte deu razão a ele. Disse que sempre que houver informações “irrelevantes, imprecisas, inadequadas ou excessivas” sobre alguém, elas devem ser removidas pelo Google e pelos congêneres.
O problema é que houvesse um campeonato de vagueza, essas palavras provavelmente venceriam. Tanta indeterminação abriu uma caixa de Pandora. O Google já recebeu mais de 170 mil solicitações de remoção de resultados desde então.
Em vez desses termos vagos estarem sendo interpretados por juízes, a decisão fez com que o próprio Google criasse um “conselho” privado para decidir na prática sobre os pedidos de remoção. Atualmente, cerca de 58% deles têm sido atendidos.
Privacidade e vigilância
Isso é preocupante. O direito ao esquecimento conflita com o direito à liberdade de expressão. Por causa disso, as decisões sobre ele deveriam no mínimo sujeitar-se ao “devido processo legal”, sendo decididas por juízes, e não por conselhos privados que adquirem poder sobre vastos volumes de informação.
Mais grave ainda, na semana passada participei de uma reunião da Unesco em Paris para debater o tema. Nela, ficou claro que os países europeus estão desconfortáveis com o surgimento inesperado desse novo direito. Vale lembrar que ele não foi criado por meio de debate democrático. Surgiu por invenção judicial, que interpretou normas existentes de forma ampliada. Isso é um alerta sobre excesso de “criatividade” nos tribunais, que dão um chega pra lá na democracia quando juízes resolvem legislar.
Outro problema do chamado “direito ao esquecimento” é sua falta de efetividade. Como as decisões judiciais só se aplicam ao território onde são proferidas, os link são removidos apenas com relação àquele território. Ou seja, quem definir seu buscador para outro país consegue visualizar os dados.
Mas o argumento mais forte vem do advogado argentino Eduardo Bertoni. Ele escreveu um artigo chamado “O Direito ao Esquecimento é um Insulto à História da América Latina”. Países que passaram por regimes militares estão justamente em busca de reconstruir passado, e não de apagá-lo.
Por fim, a reunião da Unesco discutiu não só o “direito ao esquecimento” mas também o tema da privacidade e da vigilância no mundo pós-Snowden. Sobre isso, vale dizer foi o Brasil que propôs que o tema fosse abraçado pela Unesco, proposta que foi bem-sucedida e desencadeou um importante processo. É bom ver que a política externa brasileira nem sempre esta à deriva.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro