Naqueles recantos das redes sociais frequentados pelos nomes mais conhecidos do Vale do Silício, um tema dominou a semana: o caráter da Uber. É raro que o caráter de uma empresa, sua confiabilidade, domine tanto as conversas. Mas há motivos o suficiente para dar a impressão de que seus principais executivos tratam com desdém questões éticas, flertem com o chauvinismo e não dão a mínima para a privacidade dos usuários. O que é Uber? É uma empresa grande. Muito grande.
Na última rodada de investimentos, a empresa foi avaliada em US$ 18,2 bilhões. Está no ramo das caronas pagas e oferece dois serviços. O usuário saca o celular, abre o aplicativo, chama um carro. O Uber Black oferece carros bacanas, sedãs pretos de vidro fumê, motoristas de terno. O normal é para o dia-a-dia. Um concorrente dos táxis. No Brasil, o Uber foi lançado em maio último, no Rio. Só existe na versão luxo. Quando chegou a São Paulo, em junho, estreou com a modelo Alessandra Ambrósio pedindo a primeira carona. Já acumula inimigos. A prefeitura paulistana considera o serviço ilegal, pois transporte pago, aqui, é serviço regulamentado. Há regras para seguir. Para não falar dos muitos motoristas de táxi que olham torto para a concorrência.
No início de novembro, os executivos da Uber convidaram um grupo de jornalistas para um jantar de relacionamento. À mesa de Ben Smith, editor-chefe do site Buzzfeed, estava o vice-presidente de negócios, Emil Michael. Entre algumas garfadas e muitos copos, Michael sugeriu que a Uber deveria contratar detetives para levantar os podres de Sarah Lacy, uma jornalista particularmente crítica à empresa. Lacy é também um dos nomes mais conhecidos da imprensa especializada do Vale. Levantar os podres pessoais de Lacy seria o método ideal para neutralizar suas críticas. Através de chantagem, claro.
Outro jornalista sentado à mesa diz que Smith entendeu mal. No contexto, era uma brincadeira. Michael afirmou que a conversa teria sido em off, jargão para aquilo que as fontes revelam mas repórteres se comprometem a não publicar. A empresa declarou que as opiniões do executivo não refletem seus valores.
Tempestade perfeita
Talvez seja tudo verdade. A natureza das críticas de Lacy, porém, toca justamente neste ponto. Em seu serviço padrão, extremamente popular nos EUA, a Uber conta com motoristas amadores que dirigem seus próprios carros e aproveitam os momentos ociosos do dia para fazer um troco a mais. Há queixas de clientes, principalmente mulheres, de casos de assédio sexual. Em geral, a turma da Uber trata o tema de forma ligeira. A repórter vê nisso misoginia.
Em meio ao bate-boca veio à tona uma história doutra festa da Uber, realizada em 2011. Nela, os executivos apresentaram aos jornalistas a “tela de Deus”, o lado de administração do sistema que permite ver pelo GPS onde cada carro está no mapa. Uma das repórteres presentes enviou mensagens a uma destas pessoas. Do outro lado, ao ouvir a pergunta “Você está em tal esquina?”, o sujeito levou um susto. Alguém o vigiava.
Neste caso, o mau gosto era doutro tipo: tratar com descompromisso a privacidade.
Há duas versões. Em uma, a má vontade de um jornalista com uma piada somada a um episódio antigo formaram a tempestade perfeita. No conjunto, transmitem uma visão injusta de uma empresa inovadora. A outra versão é que os dois episódios demonstram uma insensibilidade frequente, confirmam um padrão de comportamento inaceitável para quem saberá tanta informação pessoal de seus clientes.
O debate está aberto.
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Pedro Doria é jornalista