Esse e-mail é meu. Inventei num momento de raiva. Não porque não goste mesmo de tecnologia, mas porque não suporto que ela me decepcione, seja pela incompetência, seja pela má-fé dos que dela vivem.
Lembro com alegria dos momentos em que uma invenção tecnológica me deixou encantada e verdadeiramente feliz. Nunca vou esquecer a excitação que foi ver pela primeira vez, num congresso em San Francisco, uma demonstração do que viria a ser o Google Earth, dando ao nosso olhar uma capacidade de astronave e de passarinho, voando e pousando em tudo quanto é lugar da Terra.
Para dar alguns exemplos, fiquei feliz também com coisas mais prosaicas, como os aplicativos para chamar táxi ou o Waze, com seu mapa atualizado das condições de trânsito e suas dicas de caminho, às vezes surpreendentes até para quem conhece a cidade na palma da mão. O salto na qualidade da experiência, a criatividade e competência técnica aplicadas a serviço do público e da sociedade, isso é o que me encanta na tecnologia.
Mas parece que Deus não existe sem o diabo. E é assim que sofro todo santo dia assédio de empresas e pessoas que invadem a minha caixa postal para deixar seus apelos comerciais ou truques sujos, consumindo às minhas custas minha conexão de internet, a memória do meu computador e, mais grave, o meu precioso tempo para apagar tudo isso e depois apagar de novo da lixeira que se encheu.
“Erro de sistema”
Vou citar nominalmente alguns dos remetentes de mensagens que me chegaram de ontem para hoje sem que eu tenha solicitado.
Aqui vai: EastSide23 Comunicação Corporativa, Submarino, Americanas, B2W Digital, Polishop, Bebida do Sul, Virtual Lingerie, Brastemp, Centauro, Mobly, Sociesc, PDG Imóveis, Casas Bahia, Mil Graos Produtos Naturais, Farmácia Tupa, Netshoes, Passarela, Amaro Fashion, Dafiti, Fran Press, Zeno Group, Check Point, Dezoito, Locaweb, Grupo Máquina, Sorttie Soluções Criativas, Pitchcom, ShopLuxo, Instituto Filantropia, Setecnet, Nike do Brasil, Barred’s, Beleza na Web, Adidas, AOC, Setin, Portal da Educação, OLX, Esser, Carsystem, África 4×4, Fassess Assessoria, Conversion, Overdive, Caraguá em Foco.
Salvo poucas exceções, a maioria dessas empresas, não conheço, nunca fiz negócio com elas nem nunca ouvi falar. Mas elas se dão ao direito de me incomodar.
Uma diferença abissal entre o povo do marketing nos Estados Unidos e o povo do marketing aqui é que no Brasil o pessoal invade sua privacidade sem nenhuma cerimônia, com o aval de provedores de internet, que furam seu próprio anti-spam para cuspir lixo na nossa vida, às nossas custas.
Alguns remetentes oferecem “opções”, mas nem sempre os sites funcionam e nem sempre o descadastramento pode ser feito num único clique. Pior: não é raro que as empresas desrespeitem soberbamente o seu descadastramento.
Já imaginou alguém todo dia sujar a porta de sua casa? Já imaginou o Sujão alegar que, se você reclamar, ele vai parar de sujar e que por isso ele é uma pessoa legal? E se o Sujão voltar a sujar sua porta e, quando você estrilar, ele, se tiver dignidade para responder, disser que deve ter havido um “erro de sistema”? Ou ainda se ele disser que “claro” que vai parar de sujar sua entrada, por que afinal você não solicitou isso antes? Ou então se ele quiser convencê-lo de que o lixo que deixou na sua porta é do seu sumo interesse, mesmo que você ainda não saiba?
******
Marion Strecker é jornalista e cofundadora do UOL