É inquestionável o direito que a publicidade tem de não sofrer pressões, devido à sua intocável liberdade de expressão: um bem comum de todos os cidadãos. Um direito inalienável. Como também é inquestionável o direito do cidadão de exigir respeito à dignidade humana.
O talento criativo dos publicitários é um dom recebido de Deus Criador. Por conseguinte, espera-se que a publicidade seja mensageira da liberdade, da verdade, da justiça e da solidariedade.
Entretanto, a corrupção disfarçada de esperteza criou a publicidade enganosa, que se mistura camufladamente com a publicidade veraz. Ruy Barbosa chegou a definir: “Este sistema lograria desatinar a opinião pública, deixá-la muitas vezes indecisa entre o rastro da verdade e o da mentira, ou, muitas outras, induzi-la a tomar a pista falsa pela verdadeira” (“A imprensa e o dever da verdade”).
O mais pobre, frágil e indefeso cidadão é o que tem mais possibilidades de ser enganado, tomando a pista falsa pela verdadeira. Enganação perversa, que contribui para dividir o mundo segundo a dialética do incluído e do excluído.
A propósito, o saudoso papa João Paulo II dizia que a mídia – no caso, a publicidade – tem a tarefa de unir as pessoas e de enriquecer a sua vida, e não de as isolar e explorar: “Se for usada de maneira correta, a mídia (publicidade) pode contribuir para criar e manter uma comunidade humana baseada na justiça e na caridade e, na medida em que o fizer, torna-se sinal de esperança” (Dia das Comunicações, 1998).
Quem paga
Isto posto, gostaria de dizer que a publicidade é um importante canal de comunicação entre os governos (federal, estaduais e municipais) e o povo. A publicidade, alicerçada em seus aspectos ético, educativo, social e cultural, destina-se ao esclarecimento da população (utilidade pública); serve para prestação de contas dos atos governamentais.
Já as empresas estatais, que têm a obrigação de nunca se afastar de sua conduta ética, atuam num mercado disputadíssimo e também necessitam de uma política de comunicação moderna. É por esse motivo que as agências de publicidade são contratadas.
O trabalho das agências de publicidade, de uma maneira geral, é imprescindível, pois não é fácil comunicar-se com uma sociedade marcada pela diversidade cultural, étnica e linguística. Nesse contexto, os meios de comunicação são escolhidos adequadamente pelas agências de publicidade para levarem a publicidade oficial até o público-alvo. Os profissionais de mídia, de apurado espírito público, são os responsáveis por essa escolha. Eles sabem que o mau uso do dinheiro público reflete na saúde, na vida, na educação e na segurança dos brasileiros, principalmente dos mais pobres.
Os governos federal, estaduais e municipais e as empresas estatais, juntos, estão entre os maiores anunciantes do Brasil. Só o governo federal, por exemplo, em 2013 investiu em mídia R$ 2,31 bilhões (fonte: Meio&Mensagem).
A História do Brasil mostra que, em certas ocasiões, a publicidade oficial (de governos e empresas estatais) se desviou de seus objetivos, serviu de moeda de troca entre governos corruptores e veículos corruptos. Quando esses veículos criticavam os governos, recebiam deles – em troca de um futuro silêncio ou de elogios – a publicidade oficial, mesmo que não houvesse adequação entre a mensagem e o público desse meio de comunicação.
Há casos em que as verbas de publicidade dos governos e das empresas estatais têm peso significativo no faturamento de alguns veículos, o que pode causar dependência em relação aos dirigentes que ocupam funções relevantes nos setores de comunicação e jornalismo dos governos e das empresas estatais.
Não se deve admitir sequer a tentação de usar a publicidade oficial para manobras politiqueiras: o dinheiro que paga essa propaganda é dinheiro público. A sociedade civil e suas expressões político-democráticas precisam encontrar um meio de desvincular a publicidade oficial de qualquer tipo de interferência. É um assunto técnico e dessa maneira merece ser tratado.
Democracia crítica
Tenho uma sugestão que pode servir de pontapé inicial das discussões. No futuro, as agências de publicidade escolhidas por licitações públicas prestariam serviços somente nas áreas de criação e produção. Elas receberiam um valor fixo que remuneraria os serviços prestados.
A estratégia, o planejamento e a compra de espaço publicitário ficariam sob a responsabilidade de bureaux de mídia vinculados às agências de publicidade vencedoras das licitações. Seria criado o bureau federal (governo e estatais federais). E cada estado e município com mais de 1 milhão de habitantes teria o seu bureau. O serviço seria remunerado por um valor fixo. Os descontos de praxe e os benefícios financeiros, diretos e indiretos, seriam repassados aos clientes. Os bureaux seriam compostos por profissionais especializados em mídia, representando cada uma das agências vencedoras da licitação. Entendo que a participação desses colegiados tornaria mais democrático o processo de tomada de decisões, evitando distorções.
Entendo que a criação dos bureaux poderá ajudar os Tribunais de Contas a conhecer ainda melhor o fluxo do dinheiro público usado na publicidade oficial e a justificativa técnica da escolha de cada meio de comunicação para veicular os anúncios.
Concluindo, quero dizer que este artigo tem o intuito de sugerir o aprimoramento do uso da publicidade oficial. Fui levado a escrever sobre esse tema depois de ter lido o grande jurista italiano Gustavo Zagrebelsky, autor do excelente livro A Crucificação e a Democracia (Editora Saraiva). Num trecho do capítulo “As decisões irreversíveis”, Zagrebelsky diz que “a democracia crítica acredita ser possível o melhor” e que “os limites que ela postula valem para garantir a possibilidade de procurá-lo constantemente”.
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Francisco Paes de Barros é radialista