A maioria dos leitores possivelmente não vai assistir, mas a estreia de um novo jornalístico, às 5h, nesta segunda-feira (1/12), diz muito a respeito das transformações pelas quais a televisão aberta está passando no Brasil.
Até a última sexta-feira, a Globo começava o seu dia às 6h, com o “Globo Rural”. Era seguido pelo “Bom Dia”, às 6h30, emendando com o “Bom Dia Brasil”, que terminava às 8h40.
Com “Hora Um”, apresentado por Monalisa Perrone, a emissora altera drasticamente a sua grade matinal. Além do novo noticiário, com uma hora de duração, os outros dois jornalísticos ganham 30 minutos a mais cada um, criando uma faixa de programas noticiosos das 5h às 9h. O “Globo Rural” deixa de ir ao ar durante a semana.
A emissora justifica a mudança sob o argumento de que precisa “atender a um público que cada vez acorda mais cedo para trabalhar”. É possível imaginar que há mais fatores em jogo.
Em primeiro lugar, mostra uma reação da Globo à concorrência. Tanto SBT quanto Record têm jornalísticos que começam às 6h. O “Notícias da Manhã”, da emissora de Silvio Santos, muita vezes supera o “Globo Rural” em matéria de ibope.
E, ainda que o valor comercial do horário seja baixo, comparado a outros, parece claro, diante do movimento aparentemente irreversível de esvaziamento da audiência da TV aberta, que qualquer fiapo de oportunidade deve ser aproveitado.
O SBT tem mostrado isso em outra ponta antes pouco valorizada da grade –o início da madrugada. Depois de muito tempo em terceiro lugar na média geral de audiência, a emissora conseguiu superar a Record nos últimos meses, ajudada, em parte, por seu desempenho em horários tardios.
Análise fria
Principal novidade do SBT em 2014, o “The Noite”, com Danilo Gentili, não apenas levantou o ibope do horário como atraiu interesse comercial.
A agitação na madrugada, tanto em uma ponta (o fim de noite) quanto em outra (o início da manhã), coloca pimenta em uma discussão interessante.
A Record defende que o filé-mignon da TV, para anunciantes, se concentra entre 7h e meia-noite. Assim, analisando os dados de audiência deste período, proclama ser a vice-líder do mercado.
O argumento ignora o fato de que a emissora exibe diariamente, da 1h15 às 6h, programação paga da Igreja Universal, o que derruba drasticamente a sua audiência no período.
No início de outubro, entrevistei José Roberto Maciel, vice-presidente-executivo do SBT. Exibindo números de audiência e de faturamento publicitário crescentes, ele disse ao UOL que ignorar a madrugada “cria uma falsa percepção no mercado”.
Dados do Ibope para a Grande São Paulo (cada ponto equivale a 65 mil domicílios), em outubro, mostram que da 0h às 6h a Globo teve média de 5,1 pontos, seguida por SBT (3,7), Record (1,4) e Band (0,9).
Os investimentos para alcançar o público da madrugada e ampliar o mercado do horário são movimentos que, se submetidos à fria análise dos números, talvez não se justifiquem. Mas são mais um indicativo de que a TV aberta segue firme na luta contra os que enxergam o seu fim próximo.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo