Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As atitudes que destroem o rádio

‘Eu, às vezes, acho que tudo o que ocorre com o rádio é proposital mesmo, para deixar o povão entregue ao total abandono, até na hora da informação. Na verdade, falta fiscalização. Como as rádios estão quase todas nas mãos de políticos, eles não investigam a eles mesmos. Então é por isso que vale tudo.’ (Depoimento de um radialista que pediu anonimato)

Nosso povo precisa urgentemente se inteirar do quem vem sendo feito no rádio cearense e lutar pela mudança, pois os problemas que vêm acontecendo são resultantes de um processo de sucateamento e abandono pelos que se dizem proprietários deste meio de comunicação e não investem na conquista de um novo público, não incentivam à inovação e insistem em afastar o ouvinte das rádios cassando-lhe o direito de dizer o que pensa, de discutir as programações, de emitir opiniões e de ter participação nos programas para externar suas opiniões e dizer o que pensa dos diversos assuntos da vida social.

A situação em que se encontra o rádio cearense hoje é problemática, pois vemos que há um propósito deliberado de manter este meio de comunicação afastado dos interesses da sociedade e promover uma programação que muitas vezes é completamente alheia ao que o povo quer e deseja do rádio. Nos áureos tempos, o rádio contribuiu para o fortalecimento da democracia e para o fim dos regimes ditatoriais que fizeram parte de nossa história. O rádio tinha a coragem de dizer, de protestar e de lutar contra o regime político que promoveu atraso, dor e constrangimento a tantas pessoas.

Programas esportivos sem nexo

Hoje, a situação é diferente. A ditadura imposta é a ditadura do dinheiro e do poder político, que faz com que muitos radialistas utilizem o meio radiofônico para promover aqueles que dominam o regime com suas regras do tipo ‘toma lá, dá cá’ e do estilo ‘vence na vida quem diz sim’. Temos muitos radialistas que hoje estão muito bem de vida graças às suas relações com os poderosos da política e do empresariado de nossa terra. É comum no meio radiofônico palavras com ‘boi’ e ‘jabá’ que fazem com que alguns tenham mais prestígio do que outros. O ‘alô’ no rádio é uma moeda muito forte e mostra a cooptação de radialistas a serviço dos poderosos.

A maioria de nossas rádios é controlada por políticos ou pessoas a eles ligados e a comunicação vira uma mensagem de fortalecimento do poder dos ricos em detrimento da maioria do povo. Temos exemplos fortes de pessoas que às vezes querem criticar algo com que não concordam e são barrados nos programas de rádio, que não pretendem ferir os interesses dos grandes grupos políticos e fazem do rádio um instrumento a serviço da classe dominante da maioria dos municípios de nosso estado.

Outro problema é a prática nefasta do arrendamento de horário, que faz com que muitos radialistas que são profissionais e não se ajustam aos mecanismos de poder fiquem fora do rádio por não poderem cumprir com as exigências dos preços exorbitantes dos horários de programas. Não temos, dessa forma, o cumprimento das normas trabalhistas e muitas vezes os programas que têm mensagem, que falam da cultura, que engrandecem o conhecimento, perdem lugar para programas sem a mínima preparação, sem respeito ao ouvinte e que dizem o que querem, pois sequer são fiscalizados pela direção das rádios, que têm interesse apenas no valor do arrendamento. Temos, então, a proliferação de programas esportivos sem nexo e de estilo desatrelado às normas de uma comunicação eficaz e democrática.

Reconhecimento da importância

Grande parte das rádios cearenses não tem política de trabalho nem de apoio previdenciário a seus locutores, os quais, quando têm algum problema de saúde, têm de ter uma economia ou morrem à míngua, sem nenhum apoio ou reconhecimento de seu valor no mundo do rádio. Os casos de abandono e desrespeito não são poucos e muitos já enfrentaram tal problema e sofreram deste mal que faz com que poucos se aventurem na profissão de radialista.

Mas a problemática do rádio cearense tem solução. Basta que os órgãos representativos dos que fazem este meio de comunicação se unam em prol de sua melhoria, fortalecendo a luta pela democratização da comunicação e buscando processos de melhoria da vida dos que fazem o rádio e dos que nele buscam informação, entretenimento e cidadania. É urgente criar espaços para o povo dizer que tipo de rádio quer, que comunicação deseja no rádio e banir deste meio os programas agressivos, comprometidos com os poderosos e desrespeitoso aos seus usuários. Também é urgente que os grupos da sociedade se organizem na luta por um rádio democrático que seja artífice de uma nova ordem que seja boa para todos e que faça da comunicação um instrumento de fortalecimento de uma sociedade livre, democrática e respeitosa.

É vital que a mídia radiofônica seja respeitada como merece e que os investimentos dos grupos de publicidade tenham sempre no rádio a confiança de retorno garantido, pois o número de pessoas que ouve rádio é enorme e crescente, porém não há uma política de reconhecimento da importância deste meio perante o povo, nem respeito dos empresários ao seu poder de alcance perante a sociedade.

Sociedade justa e igualitária

Os grupos que regulamentam a comunicação (Anatel, Ministério das Comunicações, Ministério Público, Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, governos etc.) precisam fiscalizar as práticas de concessão de emissoras e verificar os verdadeiros donos das rádios, para que estas sejam realmente concessões públicas e satisfaçam os interesses realmente populares. É urgente que se abram espaços para discutir as programações de rádio e fazer com que a voz dos que ouvem rádio sejam ouvidas, pois as queixas são muitas e os canais de discussão estão cada vez mais fechados.

É preciso repensar o modo como o rádio vem sendo feito em nossa terra. Os ouvintes têm se organizado para tal, pois com a criação da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará várias mudanças têm ocorrido, mas há muito ainda para se fazer para fortalecer o papel do rádio na consolidação de uma sociedade efetivamente justa e igualitária. Não podemos aceitar a poluição vinda de locutores que, muitas vezes, não sabem o mal que estão causando, porém colocam seus interesses econômicos em lugar da busca por um mundo melhor para todos.

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Vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE