Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Onde os sutis não têm vez

A temporada de premiações de “melhores do ano” já começou e com ela reaparece um velho hábito associado à televisão: a primazia do exagero sobre a sutileza.

Repare como atores e atrizes cujos personagens gritam muito ou são afetados costumam triunfar, em matéria de popularidade, sobre aqueles que tiveram o azar de interpretar figuras mais complexas e desafiadoras, mas de gestos e falas “normais”.

É óbvio que há muito de subjetivo nestas escolhas e preferências, mas vejo isso se repetir tanto que considero configurar uma tendência.

O caso da interpretação de Adriana Esteves em “Avenida Brasil” é um exemplo que ajuda a demonstrar o meu argumento. Não que a considere má atriz ou não admire o seu desempenho na novela, mas entendo que ganhou um aplauso quase unânime muito em função de sua personagem estar, frequentemente, acima do tom.

A televisão é a terra do close, do plano fechado no rosto -e os personagens que gritam muito, choram demais ou fazem caretas marcantes se sobressaem sempre.

Adriana Esteves ganhou todas as eleições e comendas por sua Carminha, enquanto Murilo Benício, que teve a difícil tarefa de dar credibilidade ao seu Tufão, um homem doce, mas frágil, sem vontade própria, manipulado pela esposa, foi deixado em segundo plano.

O mesmo ocorreu com a consagração alcançada pelo Félix de Mateus Solano e a Valdirene de Tatá Werneck em “Amor à Vida”. O primeiro é um grande ator e a segunda, em sua primeira novela, mostrou ter enorme potencial. Mas o sucesso dos dois esteve diretamente ligado à exibição, repetida exaustivamente, de tiques e cacoetes dos personagens.

Bons papéis

Outro recurso que impressiona neste meio é a cara de sofrimento. Cássia Kis Magro, neste ano, foi muito elogiada por conseguir reproduzir expressões quase idênticas em papéis totalmente diferentes, em “Amores Roubados” e “O Rebu”. É o triunfo do plano fechado no rosto.

O caso do Téo Pereira de Paulo Betti, em “Império”, é uma exceção que ajuda a confirmar a regra. O exagero do personagem, em vez de consagrar o ator, incomoda. Na minha opinião, trata-se de uma composição feita com esta intenção mesmo para evitar que, por acidente, o espectador se deixe encantar pelo vilão.

Não é fácil a vida de ator de novela. Já ouvi de alguns que a composição de personagens nestas tramas que duram seis meses é feita com a ajuda de fiapos de informação, passados previamente pelos autores, e escassa ajuda da maioria dos diretores, que gravam cenas em ritmo industrial. Ou seja, cabe aos próprios intérpretes intuir por quais caminhos devem conduzir os seus personagens.

O excesso de personagens muito simples, rasos demais, eventualmente tem o efeito de igualar profissionais experientes a iniciantes. Bons atores também sofrem com reviravoltas inesperadas, que deixam os seus personagens incoerentes no meio da trama.

Em defesa do gênero, porém, é preciso dizer que há fartura de bons papéis nas novelas. Mas o público e os jurados dos prêmios de “melhores do ano” nem sempre valorizam o ator que mostra mais recursos com menos gestos e ruídos.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo