Jornais e emissoras de rádio e TV britânicas que ajam com responsabilidade e que estejam cobrindo matérias de importância pública não devem mais temer processos por calúnia. Os cinco Lordes da Lei da Câmara dos Lordes, mais alta corte de apelação do Reino Unido, revogaram a decisão de uma alta corte e de uma corte de apelação em relação a um processo contra o Wall Street Journal Europe, aberto em dezembro de 2003, e anularam a sentença que previa o pagamento por danos totalizando US$ 74 mil para o empresário milionário saudita Mohammed Jameel e suas empresas. Em 2002, o jornal publicou um artigo que afirmava que autoridades sauditas estavam monitorando contas bancárias de sauditas importantes – dentre eles Jameel – para conseguir evidências de apoio ao terrorismo.
A determinação a favor da defesa do ‘interesse público’ coloca a lei de calúnia britânica mais próxima à dos EUA, onde a mídia tem tradicionalmente usufruído mais liberdade para escrever sobre personagens públicos, desde que o faça com responsabilidade. Os juízes determinaram que as cortes baixas estavam interpretando de maneira exageradamente restritiva uma lei anterior, relacionada ao caso aberto pelo então primeiro-ministro irlandês Albert Reynolds contra o grupo Times Newspapers, que estabeleceu princípios a serem aplicados em caso de calúnia.
Atualmente, se as alegações forem difamatórias, os jornais que as publicaram devem prová-las ou se arriscam a pagar pela difamação. O caso Reynolds deu à mídia certa proteção, com o estabelecimento pelo Lorde Nichols de 10 passos que um jornalista deve seguir para decidir se uma publicação é responsável ou não. No entanto, as cortes costumavam interpretar os 10 passos como obstáculos a serem estabelecidos, e a defesa raramente vencia. O caso Jameel deu mais liberdade à mídia em relação a matérias de grande relevância.
Contra a autocensura
Os Lordes da Lei alegaram que, se o tópico da investigação de mídia for de importância pública, alegações relevantes que não poderiam ser provadas como verdadeiras não devem atrair processos de calúnia se forem publicadas de maneira responsável. O Lorde Hoffmann, que leu o veredicto, afirmou que a questão em cada caso era se a empresa de mídia ‘comportou-se de modo justo e responsável em reunir e publicar a informação’. ‘Precisamos de mais jornalismo sério neste país e leis de difamação devem encorajar, e não desencorajar, tal tipo de jornalismo’, afirmou Lady Hale, uma das cinco Lordes da Lei. ‘A decisão dá à mídia britânica uma maior liberdade para publicar matérias de grande valor jornalístico. Ela liberta o jornalismo investigativo da autocensura por conta de processos de difamação’, opinou Geoffrey Robertson, advogado que representou o jornal.
Os Lordes também concluíram que o juiz que presidiu o julgamento na alta corte agiu erroneamente ao determinar que a informação não era de interesse público porque quebrou um acordo entre os governos americano e saudita para manter o monitoramento de contas secretas. ‘Não é parte do papel da imprensa cooperar com nenhum governo a fim de manter fora do alcance do público informações de interesse público’, alegou Lorde Scott. Informações de Clare Dyer [The Guardian, 12/10/06] e de Aaron O. Patrick [The Wall Street Journal, 11/10/06].