Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Daniela Nogueira

Quem já tem algum tempo de Redação sabe o que significa uma matéria recomendada, também chamada de matéria “rec” no jargão jornalístico. É a matéria indicada por alguém de cargo superior na Redação, que atende a interesses do jornal ou de seus clientes. Quando um produto pertencente ao veículo de comunicação ou apoiado por ele tem destaque exagerado na cobertura noticiosa, por exemplo, é bem provável (ou quase certo) que aquela pauta tenha sido “rec”.

Para o repórter, é um dissabor. Pouquíssimos pensam a pauta rec como mais um de seus textos objetivos, em que se terá um tom próximo do imparcial. Nada disso. A maioria dos repórteres faz cara feia quando sabe que tem de fazer uma pauta recomendada. Muitos ainda creem que o jornalismo só se faz com assuntos de interesse público, que tenham como critérios de seleção de notícias a amplitude do evento, a significância, o inesperado, dentre tantos outros. É o ideal, mas nem sempre é assim no mundo real.

Para a pauta rec, sempre haverá espaço nas páginas. Se alguma matéria não for publicada (se “a matéria cai”, na linguagem jornalística) por conta da entrada de anúncios ou devido ao aparecimento de algum outro fato que a substitua, com a matéria recomendada isso não ocorre. Os editores sempre encontrarão uma maneira de achar um espaço considerável para que ela seja veiculada.

Supercar Nordeste

No O POVO, não é diferente. Quando uma obra ou um evento promovido pelo Grupo é lançado, haverá certamente cobertura nas páginas de matérias (além dos anúncios publicitários institucionais) e notas pulverizadas nas colunas. Um exemplo recente foi a realização do SuperCar Nordeste, que teve ampla cobertura no O POVO nos últimos dias. O evento, que ocorreu no fim de semana passado em Fortaleza e é promovido pelo Grupo de Comunicação O POVO, é considerado um centro de negócios para venda de carros e exposição de automóveis, em suma.

Há três semanas, o caderno “Veículos”, publicado às terças, vem publicando matérias relacionadas ao SuperCar Nordeste – sempre com um tom positivo, como reza a cartilha das pautas rec. Na última terça, 2/12, o caderno foi praticamente todo dedicado ao assunto, desde a capa, mostrando “oportunidades de negócio”, o volume de negócios gerados, o “programa de família” e “muita diversão”. Além disso, desde o dia 26/11 até o dia 2/12, em todas as edições de Economia havia matéria sobre o evento, para o leitor não esquecer que ele iria acontecer e, logo depois, para jogar loas e satisfazer anunciantes e apoiadores.

O que diz a Redação

Jocélio Leal, editor-executivo do Núcleo de Negócios, comenta o assunto acerca do evento específico: “O tratamento editorial oferecido pelo Núcleo de Negócios ao SuperCar Nordeste foi proporcional à dimensão do evento. Ademais, em nenhum momento perdemos de vista o interesse público nas pautas, com ênfase no entretenimento e nos negócios gerados.”

JORNAL-EMPRESA. Ao pensarmos o jornal como uma empresa que precisa equilibrar a publicação de informações, a satisfação de seus anunciantes e a finalidade do lucro, podemos entender o porquê de as pautas rec existirem. A supervalorização dessas pautas, no entanto, é que preocupa, porque deixa de lado assuntos de maior interesse público. Equilíbrio é uma palavra que soa bem em muitos casos no fazer jornalístico. Neste, inclusive. Mas não é fácil encontrá-lo e fazer um jornalismo próximo do ideal de isenção. O leitor sabe quando um anúncio institucional é vendido sob a roupagem de uma notícia objetiva.

Ombudsman 2015 – Tânia Alves

Em sequência à habitual troca anual de ombudsmans, a colega jornalista Tânia Alves, atual editora-executiva de Cotidiano e titular da coluna “Ceará”, foi anunciada como ombudsman para o ano de 2015. Tânia assume o cargo a partir da segunda quinzena de janeiro. Ao longo de mais de 20 anos no O POVO, a jornalista sempre teve uma vida profissional bem-sucedida em todos os cargos que ocupou. Certamente, não será diferente na função de ouvidora do Grupo.

Com seu olhar experiente e firme, mas sensível, diante da condução das pautas na Redação, Tânia contribuirá muito, enquanto ombudsman, para melhorarmos o jornalismo que fazemos. A ela, desejo mais luz e serenidade. A função é espinhosa, mas permite uma vivência rara no jornalismo.

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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo