Caso você seja jornalista e ainda não tenha se indagado sobre o futuro do jornalismo audiovisual, talvez seja a hora. Talvez seja o momento também de rediscutir o papel do profissional de comunicação nesta nova era digital que está avançando a passos largos e impondo aos comunicólogos uma busca por inovações em seus métodos de trabalho. As grandes emissoras brasileiras de televisão já sentem os efeitos de uma diminuição de sua importância. Mais que isso, passam a ser alvo constante de questionamentos acerca de seu trabalho de formar e informar com equidade e qualidade, ao passo que novos produtos audiovisuais estão em constante desenvolvimento na internet, fugindo do padrão televisivo institucionalizado há mais de 40 anos. Não é difícil encontrar jornalistas que reclamam da mecanização do trabalho dentro de uma redação de TV, assim como a perda de sua autonomia, resumindo o trabalho a uma produção em larga escala de notícias para fechar os buracos dos telejornais. No entanto, de onde virá a transformação?
Durante dois meses, entrevistei alguns nomes do jornalismo audiovisual brasileiro com o objetivo de colher percepções e ideias que auxiliem na reflexão sobre a necessidade de novos formatos e processos de trabalho no que concerne ao jornalismo audiovisual, assim como investigar os caminhos pelos quais os veículos de comunicação podem seguir. Todo esse material ajudou a compor uma pesquisa realizada e finalizada há cerca de um mês, na qual procuro discutir esse momento de mudanças vivido pelo jornalismo audiovisual, tentando compreender os novos anseios de um público em constante evolução crítica, além de mergulhar no desenvolvimento das novas tecnologias, que permitiram o surgimento de variados produtos audiovisuais e uma produção e participação mais efetiva da sociedade na fabricação e transmissão da informação.
Ao longo do trabalho, foi possível comprovar, entre outros cenários, uma prática tão temida pelos jornalistas: é cada vez mais comum a contratação de pessoas de outras áreas, como design, cinema, artes plásticas, fotografia etc., para atuarem no jornalismo audiovisual, principalmente na captação de imagens e nas ilhas de edição. Por trabalharem a imagem sob outro olhar, o casamento desses profissionais com os jornalistas responsáveis pela reportagem tem gerado audiovisuais mais bem elaborados esteticamente, com mais tempo e contextualização. E isso ocorre, principalmente, porque a mão-de-obra disponível atualmente no mercado de comunicação não atende aos anseios de um mundo multiplataforma, que requer mudanças de formatos, linguagens e técnicas. O olhar da discussão muda de direção. Em vez do questionamento sobre a exigência do diploma, faz-se necessário, agora, o questionamento sobre uma geração de jornalistas afetada por modelos tradicionais e que não consegue desenvolver um trabalho fora dos padrões.
Apropriação da linguagem
João Wainer, por exemplo, diretor da TV Folha, braço audiovisual do jornal Folha de S.Paulo, afirma que a edição de imagem é peça fundamental para o resultado final do produto. Mais do que um técnico, ele busca profissionais que tenham uma formação diversificada: “O nosso editor, a gente chama de editor-roteirista. Não é um editor igual ao da TV. O editor da TV é um técnico. O jornalista senta ao lado dele e diz ‘Bota isso, bota aquilo.’ Aqui não, aqui o roteiro se constrói na timeline. É mais trabalhoso, precisa de mais cérebro, de mais bagagem cultural, de mais liberdade, de mais criatividade. Eu escolho os editores muito mais pelo potencial do que pela técnica. (…) Hoje, eu tenho quatro editores. Desses, dois vêm do jornalismo. São jornalistas que aprenderam a editar e passaram para o audiovisual. Outro fez faculdade de cinema e o último fez artes plásticas. É legal, pois os dois jornalistas começam a aprender com os outros dois profissionais que são de áreas diferentes e os dois ‘artistas’ começam a aprender a rigidez jornalística com os editores jornalistas. Esse balanço entre os quatro editores é muito bom.”
A crítica também é realizada pela jornalista Janaína Pirola, editora-chefe do programa Profissão Repórter, da TV Globo: “Nós temos muita dificuldade de encontrar profissionais. Estamos até procurando pessoas de outras áreas, como cinema e fotografia, não necessariamente da área de jornalismo.” O editor-executivo do programa, Caio Cavechini, complementa: “A gente está cansado de receber DVDs de candidatos a uma vaga no programa, estudantes de jornalismo, gente que está sem emprego. E qual é o formato que eles mandam pra gente? O mesmo formato de todos os telejornais diários. Mandam para o Profissão Repórter, sabendo que é um programa que exige outra forma. Em vez de os estudantes estarem na faculdade pensando em novas maneiras de fazer, agindo livremente, eles enviam uma repetição do que veem. E estando na faculdade, que é exatamente um espaço feito para você repensar as formas de trabalho.”
Substancialmente, a mudança envolve o novo profissional de comunicação, sua autonomia e os recursos que dispõe para “embalar” e divulgar a sua reportagem. O futuro está na convergência das mídias e o jornalismo contemporâneo exige essa adaptação. Nunca antes o jornalista de veículo impresso precisou dominar tanto as técnicas audiovisuais e nem o jornalista de TV precisou olhar a sua reportagem para além da TV, com novos desdobramentos e informações mais aprofundadas.
O jornalismo audiovisual não se apresenta mais como apenas uma das maneiras para disponibilizar e divulgar a notícia, pelo contrário, faz-se progressivamente essencial para a eficácia da comunicação com o público. Em um futuro próximo, vídeo e notícia estarão intrinsicamente ligados, uma vez que, com a evolução multimídia, a audiência exige dinamismo, relevância e conteúdos que conversem com o seu cotidiano. Diante desse cenário, a televisão perde o monopólio do som e da imagem em movimento na construção das narrativas jornalísticas. Jornais, revistas, rádios e, principalmente, sites e blogs já se apropriam criativamente da linguagem audiovisual para atrair leitores e ouvintes.
Relação estreita com o público
Rodolfo Schneider, diretor de jornalismo da TV Bandeirantes, no Rio de Janeiro, salienta que, atualmente, existem diversas formas de comunicação, de receber material e é preciso caminhar junto com a tecnologia para melhorar o formato do audiovisual: “Estamos usando o Whatsapp. Há um ano, ninguém usava o Whatsapp. Hoje, a gente usa o Whatsapp seja para receber vídeo, seja para receber informação de trânsito. (…) A coisa está em uma velocidade que a gente tem que acompanhar. (…) Foi o que a gente fez ao inserir o Twitter no debate na Band. Se está todo mundo usando o Twitter, se ele é tão importante, se está bombando tanto, por que a gente não pode usar essa ferramenta dentro do debate e trazer o eleitor para dentro do debate, coisa que nunca tinha acontecido assim, online?”
“Necessita de pessoas que realmente estejam querendo essa mudança”, ressalta Janaína Pirola. “Ouvimos muito por aí que é preciso novos formatos, novos jeitos de contar história, mas, muitas vezes, a revolução passa pela mudança de cenário, na bancada nova, em apresentar em pé ou sentado. É importante ter pessoas que consigam enxergar como essa revolução precisa ser feita e que realmente estejam a fim disso”, finaliza a jornalista.
Com isso, essa crítica jornalística visa trazer à tona mecanismos tão enraizados nos modos de produção que até mesmo profissionais de comunicação se veem fechados dentro de uma estrutura engessada e sem a possibilidade de desenvolvimento de ações propositivas. Discutir esses mecanismos não significa, como muitos imaginam, colocar os jornalistas e os veículos em posição de réu e incriminá-los, mas tem por premissa aperfeiçoar o fazer jornalístico audiovisual nos âmbitos teórico e técnico, ou seja, repensar as maneiras sacramentadas nos manuais de jornalismo, além de lutar contra a banalização e precarização da profissão. É importante convocar profissionais, empresas e acadêmicos a pensarem sobre a inevitável reformulação de técnicas e conceitos, criando, assim, uma nova comunicação audiovisual multidirecional e verdadeiramente representativa.
O momento não é mais de acomodação e, nesta sociedade hiperconectada, sairá na frente o profissional que tiver a ousadia de quebrar os paradigmas impostos pela rotina do trabalho diário, se jogar à inovação e à criatividade e conseguir atuar de maneira mais orgânica com o público.
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Paulo Roberto Junior é jornalista e atualmente trabalha na TV Globo