“Valha-me Deus! Está me parecendo que o título de eleitor deveria ser substituído por um título de habilitação eleitoral, que só seria concedido a quem passasse no teste anticabeça de bagre”, brincou o leitor Carlos de Marchi, ao comentar o resultado do Datafolha publicado no domingo, 7 (“Brasileiro responsabiliza Dilma por caso Petrobras”).
Marchi não estranhava a revelação principal, alçada à manchete, de que sete em cada dez brasileiros atribuíam à presidente Dilma Rousseff alguma responsabilidade no esquema de corrupção da Petrobras.
Nem acho que era para estranhar. A maior estatal do país está mergulhada num escândalo de delações e fraudes e jorram novas denúncias a cada dia. Estranho seria se esse noticiário onipresente não respingasse no governo federal, umbilicalmente ligado à petroleira.
O surpreendente, e não apenas para ele, era a aparente contradição desse número com outros revelados na pesquisa. Se 68% responsabilizam de alguma forma a presidente pelas irregularidades na empresa, como é possível que 42% tenham concedido a seu governo a avaliação de ótimo/bom, mesmo índice de outubro, no auge da campanha eleitoral? Dilma também não aparece na lista de beneficiários do esquema de corrupção, e 40% disseram que os corruptos foram mais punidos em sua gestão.
Não é incomum haver algo de errático na percepção coletiva, mas desconfio que o problema nesse caso não seja dos bagres, mas da pergunta genérica concebida pelo jornal. O termo “responsabilidade” é um guarda-chuva amplo demais para ser usado como foi, sem questões complementares que ajudassem não só o entrevistado, mas também o leitor, a entender o que o conceito poderia significar para cada um.
Ressalve-se que essa falta de parâmetros mais claros não é novidade desse questionário. A pergunta é padrão, idêntica às que foram aplicadas em pesquisas de governos anteriores, também atingidos por denúncias de corrupção.
O problema é que repetição de um modelo criado há décadas tem o mérito de respeitar o histórico, mas reprisa e repisa o seu defeito, no caso, a ambiguidade. Na época, como agora, em vez de iluminar o cenário, ele desperta mais dúvidas.
Por exemplo: o que pensam os 43% de entrevistados que imputaram à presidente da República muita responsabilidade no caso? Julgam que ela sabia das irregularidades e nada fez? Que tem alguma participação ativa no esquema montado ou dele tirou benefícios?
Que é copartícipe por tabela, porque escolheu e/ou aprovou os gestores da petroleira e fez/referendou os acordos partidários que colocaram gatunos cuidando do cofre? E se a responsabilidade veio apenas por derivação, em virtude do cargo que exerce, ela seria “muito” ou “um pouco” responsável? (Para situar quem não leu: “um pouco” foi a opção escolhida por 25%; outros 20% disseram que Dilma Rousseff não tem nenhuma responsabilidade e 12% não souberam responder.)
A Secretaria de Redação concorda que questões adicionais poderiam qualificar a percepção manifestada, mas afirma que não há razão para crer que elas mudassem o resultado principal. Também acho que não, e não coloco isso em dúvida. Meu ponto é que o levantamento poderia ir além do quanto e tentar esclarecer os porquês.
Pesquisas são instrumentos valiosos para tentar apreender o humor da sociedade e, quanto mais puder ser feito para reduzir suas limitações e apurar suas revelações, melhor. Se não, como definiu o leitor, o resultado fica difuso, vago e vira material para bate-boca.
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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo