Com o último mês do ano, chegam também, e mais uma vez, as tradicionais pautas às quais o leitor se acostumou em todo dezembro. Para o jornalismo, as cores deste mês enchem páginas e ilustram telas nos noticiários sobre a compra dos presentes. Sim, porque a pauta sobre “quanto o consumidor pretende gastar neste Natal” ainda vai existir. Aliada a ela, ainda veremos as mesmas dicas sobre “o que fazer com o 13º salário: gastar ou poupar”.
Nos suplementos e seções de entretenimento, não há surpresa. O leitor ainda reconhecerá as matérias acerca dos looks de fim de ano junto com as cores e seus significados para acertar na roupa que usar no Réveillon e, claro, ter muito dinheiro, prosperidade e saúde em 2015. Afinal, a cor da roupa que você usar na virada do ano será determinante para você conseguir o que quer no ano que está chegando. (O jornalismo vem lembrando isso há algum tempo.)
Sem faltar, claro, a clássica lista de receitas da ceia, com todas aquelas frutas que alguém chamará de “tradicionais no fim do ano”, mas que, na verdade, não são nada tradicionais aqui no Ceará. São raras e caras – isso, sim. Ou você acha fácil encontrar nozes, tâmaras, avelãs e amêndoas a preços razoáveis na terra alencarina? A mídia nacional continuará mostrando as propriedades de cada fruta e as belezas de decoração que você pode fazer na sua ceia de Natal com elas. E a mídia cearense reproduzirá tudo isso.
Os preços sobem de modo quase inacreditável. Os chocolates ganham formas de árvore e papai-noel. A perfumaria vira kit, e a embalagem dourada tenta mascarar o preço. Mas o jornalismo se preocupará mais em mostrar isso como dica de presente para o seu amigo secreto do que expor o mercado que lucra por trás desse aumento de preço planejado.
A solidariedade
E, como é fim de ano, e muitos de nós acabam se sensibilizando e pagando de boa gente, é hora também de expor a solidariedade, ao mostrar como ajudar instituições beneficentes. Multiplicam-se, a nível exponencial, as pautas sobre doações de roupas, alimentos, brinquedos. Eis um lado bom dessas pautas que se repetem – nunca é demais mostrar como ajudar, porque sempre haverá alguém precisando mais do que nós. Mas não precisaríamos esperar o fim do ano para intensificar a cobertura dessa rede de bondade e caridade. Há muitas situações, durante os outros 11 meses do ano, que permitem essa abertura.
Fim de ano é uma época linda. Para mim, uma das mais emocionantes do período de 12 meses. É fim e é início. E por representar isso para grande parte dos leitores, deveria ser mais bem cuidada. É desafiador, para quem lida com notícias em períodos que se repetem, criar ou reinventar algo de novidade em meio às guirlandas, aos papais-noéis e ao verde-e-vermelho das decorações. É tempo de recesso em muitas empresas e assessores de imprensa/comunicação estão de folga. A quantidade de releases, em alguns setores, diminui e a Redação precisa insistir nas “pautas de fim de ano”.
Mas reinventar esses assuntos e surpreender o leitor não é impossível. Replicar um discurso que se repete a cada 12 meses é fazer parte de um jornalismo cômodo e acrítico. (Estou quase ouvindo os Titãs cantando “As novidades antigas / Nas páginas dos jornais”).
Pautas-clichê
A repetição sazonal de algumas pautas não é característica apenas do Natal e do Réveillon. O leitor de jornal (e também o telespectador) saberá que, daqui a poucos meses, encontrará “alegria”, “muita diversão” e “festa sem ter hora para acabar” no período do Carnaval. A cobertura da “folia momina” (!!!) terá, indubitavelmente, alguns ingredientes certos já listados. E pasmem – não será muito diferente daquele ano que passou… Assim como será, meses adiante, com a Páscoa e as festas juninas. As pautas de sempre estarão nas páginas do jornal, nos portais da internet e nas telas da TV.
Pautas de fim de ano (de Carnaval, de Páscoa e de qualquer outra data que venha a ser comemorada novamente um tempo depois) mais criativas e surpreendentes não precisam nascer de um grande esforço em sessões especiais nas redações. Mas podem satisfazer, pela simplicidade e pela novidade.
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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo