O Observatório da Imprensa na TV, exibido ao vivo na terça-feira (22/7) pela TV Brasil, discutiu a atuação da mídia na cobertura da crise aérea. Um ano após o acidente com um avião da TAM, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o programa analisou o comportamento da imprensa no episódio e refletiu sobre como a mídia deve acompanhar o setor de aviação civil no longo prazo.
A colunista da Folha de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, participou do debate ao vivo pelo estúdio de Brasília. Em São Paulo, o convidado foi o comandante Jorge Filipe Barros, ex-controlador de tráfego aéreo. Respício Antonio do Espírito Santo, especialista em aviação, participou no Rio de Janeiro.
Antes do início do debate, o jornalista Alberto Dines analisou as notícias mais importantes dos últimos dias. A falta de cobertura jornalística sobre o paradeiro do ex-líder servo-bósnio Radovan Karadzic, preso em Belgrado, foi o primeiro tema da seção ‘A Mídia na Semana’. Em seguida, Dines comentou o fim da greve dos Correios e as mortes da humorista Dercy Gonçalves e do produtor, escritor e diretor de TV Geraldo Casé [ver abaixo a íntegra das notas].
O poder de pressão
O apresentador tratou da crise aérea no editorial apresentado antes da discussão ao vivo. ‘Convém registrar que, em outubro de 2006, antes do segundo turno das presidenciais, o então ministro da Defesa, Waldir Pires, imediatamente culpou os pilotos americanos do jato Legacy. No desastre da TAM, o governo recusou a hipótese de problemas na pista de Congonhas e, não contente, considerou tendenciosa a cobertura da imprensa’, lembrou. Para Dines, o governo errou em ambas as situações, mas a mídia também é culpada porque não consegue pressionar, se cansa depressa e não busca soluções definitivas [abaixo, a íntegra do editorial].
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi entrevistado para a reportagem exibida antes do debate ao vivo. Jobim acredita que com a entrada de uma nova companhia aérea no Brasil, e o crescimento de uma empresa regional, a questão concorrencial irá se resolver. O ministro afirmou que o governo vem trabalhando o tema da segurança dos aeroportos, principalmente em Congonhas. As principais medidas adotadas foram em relação ao tamanho da pista e o volume das operações.
O tenente-brigadeiro Mauro Gandra, também ouvido pelo programa, disse que com a redução em um terço do número de passageiros em Congonhas houve uma melhora na segurança e no conforto dos clientes.
Outro entrevistado, o brigadeiro-do-ar Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), disse ter participado, na semana anterior, de uma audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados que discute o setor aéreo. O brigadeiro afirmou que o Cenipa não procura acusar ou levantar culpados pelo acidente da TAM. O objetivo das investigações é emitir recomendações de segurança de vôo que possam evitar um novo acidente.
A voz da sociedade
A jornalista Leila Suwwan, da Folha de S.Paulo, afirmou que o acidente expôs problemas na gestão do aeroporto de Congonhas. Para ela, a investigação deve valorizar a medição da fricção da pista, que pode ter causado nervosismo nos pilotos e contribuído para o acidente. Maria Fernanda Delmans, editora-assistente de Economia do jornal O Globo, acredita que o papel da imprensa em grandes cobertura de crimes e acidentes aéreos é mostrar as dúvidas da população, que não tem voz, e pressionar as autoridades.
Ainda na reportagem que antecedeu o debate ao vivo, o ministro Nelson Jobim disse que o grande trabalho da imprensa é pressionar e apontar problemas. ‘Por outro lado, há alguns dados pontuais em que o equilíbrio necessário na transmissão das informações não ocorre’, avaliou. Um exemplo foi a divulgação, em maio, de um ‘grande acidente aéreo’ em São Paulo que, na verdade, foi uma explosão de uma tubulação de gás em um prédio perto do aeroporto. Um canal de TV teria feito um ‘grande estardalhaço’ em cima da notícia. Para o ministro, há uma tendência de ‘precipitação informativa’, sempre com viés catastrófico.
A pressa, inimiga da imprensa
No debate ao vivo, Eliane Cantanhêde avaliou a cobertura da mídia como positiva, apesar dos erros e exageros cometidos. A jornalista destacou que os jornalistas trabalham contra o tempo. Um dos pontos fortes do trabalho da imprensa foi a exposição dos problemas dos controladores de tráfego aéreo. A mídia serviu como interlocutor no processo, levantando as dúvidas da população. A quantidade de problemas que ocupam o noticiário teria influído para que a mídia abandonasse o assunto por um certo tempo.
Respício Espírito Santo afirmou que a crise aérea é um problema sistêmico que foi agravado com a quebra de hierarquia a partir da criação do Ministério da Defesa. A fragmentação da linha de comando da aviação civil dificultou a orquestração do setor, complexo por natureza. A fatalidade foi no acidente com a aeronave da TAM. Já a colisão do Boeing da Gol com o jato Legagy, em 2006, sobre a selva amazônica, teria sido causada por um problema sistêmico.
Para o comandante Jorge Barros, as duas tragédias foram ocasionadas por falta de organização do sistema. Todos os acidentes envolvendo meios de transporte poderiam ser evitados com condutas preventivas. A falta de fiscalização coloca o sistema em risco, porque os profissionais da ponta do processo não trabalham nas condições ideais.
Faltam especialistas nas redações?
Dines colocou em discussão a falta de especialistas nas redações de jornais. Para Eliane Cantanhêde, a imprensa foi ‘pega de calças curtas’ no acidente da Gol porque os jornais não contavam com especialistas na área. Os jornalistas tiveram de se familiarizar rapidamente com termos técnicos, aprender como funciona o sistema de tráfego aéreo, descobrir as normas internacionais que regem o setor. Para ela, no acidente da Gol ficou claro que, além do problema sistêmico, há uma crise conjuntural.
A tragédia foi um marco porque expôs as entranhas do sistema. Mostrou que os controladores não estavam preparados, não sabiam falar inglês corretamente, estavam distraídos e, provavelmente, sobrecarregados. Já os pilotos americanos não estavam preparados para aquela aeronave. A crise aérea, conseqüência do desastre, foi, segundo Eliane, uma ‘outra história’ porque teve um fator conjuntural, que foi uma reação sindicalista dos controladores de vôo.
Na opinião da jornalista, depois que o comando passou para o ministro Nelson Jobim o problema conjuntural foi estancado. Eliane alertou que agora é preciso apurar de fato como o sistema está funcionando porque o que tem sido publicado são denúncias anônimas dos controladores às vésperas de efemérides.
Respício Espírito Santo disse que a crise saiu do palco, mas continua nos bastidores. Há um conjunto de problemas aos quais a sociedade não tem acesso e que caberia à imprensa desvendar esses fatos à sociedade e cobrar as autoridades. O comandante Jorge Barros criticou a metodologia adotada para equacionar a crise. Alguns projetos que se encontram ‘semi-engavetados’ no comando da Aeronáutica poderiam reduzir a demanda por controladores.
Os três participantes do debate acreditam que as palavras-chave para o fim da crise aérea são prevenção e planejamento do setor de aviação civil. Um acompanhamento do governo a longo prazo, inclusive fora dos momentos de crise, seria imprescindível porque o setor está crescendo e o sistema não é aperfeiçoado na mesma proporção.
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Acidente da TAM, um ano depois
Alberto Dines
Editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 470, exibido em 22/7/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Em pouco menos de dois anos foram duas catástrofes aéreas com 353 mortos e um caos no transporte aéreo que só agora parece amainado.
Será que amainou mesmo? E quanto tempo vai durar este relativo sossego? Nenhum dos dois desastres está esclarecido. Entre as causas do segundo acidente, com o Airbus da TAM, já se sabe que o estado da pista de Congonhas agravou de forma decisiva a falha dos pilotos.
Na primeira catástrofe evidenciaram-se problemas com os controladores de vôo, que depois rebelaram-se num motim inédito.
Convém registrar que, em outubro de 2006, antes do segundo turno das presidenciais, o então ministro da Defesa, Waldir Pires, imediatamente culpou os pilotos americanos do jato Legacy. No desastre da TAM, o governo recusou a hipótese de problemas na pista de Congonhas e, não contente, considerou tendenciosa a cobertura da imprensa.
O governo errou nas duas vezes. Mas a imprensa tem a sua parcela de culpa porque não consegue manter a pressão, não sabe cobrar, cansa depressa e esquece. E no caso da venda da Varig, visivelmente irregular, aceitou rapidamente a sua entrega a um competidor sem esgotar outras opções, inclusive a intervenção estatal.
A crise aérea amainou, mas a imprensa não parece animada em exigir soluções definitivas.
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A mídia na semana
** Conhecido como ‘monstro da Bósnia’ e ‘carniceiro de Sarajevo’, responsável pela limpeza étnica e o genocídio dos muçulmanos na antiga Iugoslávia, agora Radovan Karadzic foi capturado por ordem do Tribunal Penal Internacional. Foragido há 12 anos e considerado como o criminoso mais procurado do mundo (depois de Osama Bin Laden). Resta perguntar: há quanto tempo não se fala em Karadzic nas páginas internacionais da nossa imprensa ? Se por acaso estivesse escondido no Brasil, como achá-lo se nossa mídia não tem espaço nem tempo para cuidar do que se passa no mundo?
** O apagão de 36 horas na internet foi manchete durante alguns dias e graças a isso a Telefônica foi obrigada a desculpar-se e descontou os dias em que o serviço não funcionou. No caso da greve dos Correios, que durou 19 dias, o comportamento foi oposto. A estatal nunca pediu desculpas pelo graves inconvenientes causados à população. A internet atende aos ricos, os Correios atendem aos mais pobres, a Telefônica é uma empresa privada que pode ser multada pela Anatel. Qual seria o órgão que multaria os serviços postais – o Procon? Aguardemos.
** Debochada, incontrolável e impertinente, Dercy Gonçalves não foi apenas a atriz que ultrapassou a barreira dos 100 anos. Foi símbolo de uma época em que havia medo do ridículo e o riso operava milagres. Geraldo Casé, segunda geração de um clã dedicado à mídia e ao show business, sempre apostou em qualidade. Juntos, onde quer que estejam, vão fazer sucesso e deixar saudades.
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Jornalista