Na semana em que o mundo celebra mais um aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais de 80 organizações brasileiras lançaram um nota em defesa de uma das principais políticas públicas em funcionamento no país para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes: a classificação indicativa da programação das emissoras de TV.
Desde 2001, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação (ADI 2404) que, a pedido da associação dos radiodifusores, pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê sanções aos canais que veicularam conteúdo em horário diferente ao previsto na classificação indicativa. Em busca de audiência e ávidas por poderem transmitir qualquer programação em qualquer horário, as emissoras alegam que o fato de poderem ser multadas caso veiculem conteúdo inapropriado a uma determinada faixa etária viola sua liberdade de expressão.
Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram atendendo o pedido das emissoras, o que coloca toda a classificação indicativa em risco. O STF deve voltar a julgar a ação no próximo período. Preocupadas, diversas entidades de defesa dos direitos das crianças pedem que, antes disso, o Supremo realize uma audiência pública para ouvir a população sobre o tema.
Pesquisa realizada a pedido do Ministério da Justiça pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, em cooperação com a UNESCO, divulgada nesta quinta-feira (11/12), comprova que a Classificação Indicativa é uma política em pleno funcionamento, aprovada pelas famílias. Segundo estudo, 97% dos pais ou responsáveis por crianças de 4 a 16 anos consideram muito importante ou importante que emissoras de TV aberta respeitem a limitação de horário vinculada à classificação indicativa. E 94% consideram que deve existir multa para emissoras que desrespeitarem as regras. Quase a totalidade dos pais ou responsáveis entrevistados (98%) acredita que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV. Entre as preocupações dos pais estão cenas de tortura, estupro ou suicídio (79%) e cenas de consumo de drogas ilícitas (73%).
Prejuízos na certa
A realidade é que a televisão é o meio de comunicação ainda hoje com maior influência na difusão de culturas e na formação de valores. O impacto dos conteúdos que recebemos diariamente pela telinha já foi comprovado em centenas de pesquisas científicas em todo o mundo. No caso das crianças e adolescentes, os efeitos daquilo que assistem na TV é ainda maior, em função de serem pessoas ainda em desenvolvimento, não preparadas para absorver individualmente todo e qualquer tipo de imagem.
Por isso, no mais diferentes países, foram criados mecanismos de proteção das crianças a determinados conteúdos transmitidos pela televisão. Na maior parte deles, como França, Canadá, Inglaterra, Chile, Argentina e Estados Unidos, há uma faixa horária específica de proteção. Neste período, as emissoras devem se abster de veicular, por exemplo, conteúdos violentos ou com cenas que possam impactar fortemente meninos e meninas. Trata-se de uma regulação democrática dos meios que, sem cercear a liberdade de expressão, garante seu equilíbrio com a proteção de outros direitos fundamentais – no caso, os das crianças e adolescentes.
Em 2006, espelhado em democracias como estas, o Brasil também adotou uma política de classificação indicativa. A classificação desses programas é feita pelas próprias emissoras, a partir de critérios claros e transparentes, que foram construídos após amplo debate nacional, do qual os canais de rádio e TV também participaram. O modelo adotado no Brasil parte do princípio que cabe às famílias, mas também à sociedade e ao Estado, garantir a proteção absoluta dos direitos das crianças e adolescentes ao bem-estar social e à sua saúde física e mental, como afirma a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A própria ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos entendem que mecanismos como este são fundamentais para a proteção da infância. Vale lembrar que somos um dos países em que a população passa mais tempo por dia em frente à TV – na maior parte do tempo, as crianças estão sozinhas.
Por que então mudar o que está dando certo, em nome dos interesses comerciais das emissoras, se o fim da classificação trará inúmeros prejuízos para nossas crianças e adolescentes?
Confira neste link a íntegra da nota pública lançada pelas entidades e que será enviada aos ministros/as do Supremo Tribunal Federal na próxima semana.
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Bia Barbosa é jornalista, especialista em Direitos Humanos (USP), mestre em Políticas Públicas (FGV-SP) e integrante da coordenação do Intervozes.