Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornal e a utopia metropolitana

Zero Hora dá aula de como cavar a própria vala. Suja, rasa, sem lápide, para ser enterrada como indigente. E só eles, enquanto negociam vinhos, pirulitos e “negócios digitais”, não se dão conta do que perdem. Independente dos motivos, grandes nomes que faziam valer a leitura daquelas páginas mal acabadas foram seguindo seu rumo. Altair Nobre, Alexandre Bach, Chico Amorim, Carlos Wagner, Luiz Adolfo, Moisés Mendes e tantos outros jornalistas competentes que foram saindo ou sofreram a degola das tesouras da RBS, para falar só dos jornais impressos do grupo.

ZH virou um playground com linha editorial remendada, dentro de um segmento de público-alvo que não consegue atingir: o jovem. E nem vai.

O Diário Gaúcho, subestimado, alvo de preconceitos pelo seu suposto populismo, atropelou a carne nobre dos impressos da RBS. Mas o seu projeto tem prazo de validade e está vencendo. E assim como a Folha de S.Paulo é incorrigível dentro dos seus modismos editoriais, Zero Hora também o é.

Agora resolveu que o jovem vai salvar o seu negócio. No entanto, sua reforma (apressada, atrapalhada e que causou confusões dentro do departamento de diagramação) é um tiro no pé feito dentro de uma sala escura, já que muda a forma de o jornal se relacionar com o seu leitor de uma hora para a outra, indo do clássico ao desarranjo contemporâneo e caótico sem avisar.

Miscelânea de bobagens

Jornais de verdade levam, em média, 10 anos para implantar uma mudança gráfica e de linha editorial radical. Isso é feito de conta-gotas. O motivo? Simples: respeitar a experiência de leitura do público e ir aperfeiçoando detalhes despercebidos durante o processo. Mas Zero Hora trabalha com o conceito mais estúpido do mundo, em se tratando de papel: tudo é beta e para ontem. Tudo pode mudar, até amanhã. Se não der certo, não tem problema: era beta, mesmo. E deixam isso claro com seu slogan “papel, digital, o que vier”. Mas se esquecem de que sequer estarão de pé para encarar “o que vier” se continuarem a desconstruir o jornalismo que alegam fazer.

A impressão que passa, de fora da redação, é de que existe um artista caótico enredado com os fios dos fantoches que tenta manipular. É como uma criança brincando de ser criança, mas manipulando não um castelo de plástico ou um postinho de gasolina em miniatura, mas um império de comunicação. “Vamos fazer desse jeito para ver onde vai dar…”

Do lado de dentro nota-se que nenhum jornalista da empresa consegue sentar com você e explicar, detalhe por detalhe, os parâmetros dessa mudança, seus objetivos e onde se pretende chegar. Eles não sabem. Não por falta de vontade, imagino. Mas a reforma foi tão forçada por uma festividade do cinquentenário de ZH que foi feita de qualquer jeito, contrariando todas as mudanças gráficas já desenvolvidas para a empresa.

Tratando-se de jornalismo, o conteúdo perdeu relevância social. O que faz esse motor funcionar são uma dúzia de nomes que sobressaem e ainda buscam fazer jornalismo de verdade nesta miscelânea de bobagens.

Por isso, digo: ZH é uma província que tenta parecer metrópole.

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Tiago Lobo é jornalista e editor da revista Pensamento