Não se faz jornalismo sem fontes, e não se fazem fontes sem relação de confiança e garantia de anonimato. Tentar forçar um repórter a revelar quem lhe passou uma informação é mais do que desrespeitar a ética de uma profissão. É atentar contra o direito de toda a sociedade à liberdade de informação.
A Quarta Vara Federal de São José do Rio Preto ignorou o preceito e, além de autorizar a quebra de sigilo do jornalista renitente, estendeu a medida a todos os ramais da Redação do jornal “Diário da Região”.
O objetivo da devassa coletiva e indiscriminada é descobrir como o repórter Allan de Abreu obteve dados revelados em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal em 2011, no curso da Operação Tamburutaca, que investigava cobrança de propina por fiscais do Ministério do Trabalho. (Tamburutaca, escolhido sabe Zeus por que, é o nome de um crustáceo aparentado da lagosta).
Abreu escreveu duas reportagens sobre o caso e, ouvido informalmente pelo Ministério Público, negou-se a identificar o autor do vazamento. Foi indiciado sob acusação de revelar informações que corriam em segredo de Justiça –segredo que não cabia a ele, jornalista, preservar. Seu papel era publicar o que apurou e, garantido pela Constituição do país, proteger a identidade de sua fonte. Cumpriu ambos.
Como tudo numa sociedade complexa, também a liberdade de informação está sujeita à análise permanente da relação entre o custo que a sociedade está disposta a pagar por ela e o benefício que ela propicia. Pode até haver situações extremas, em que abrir mão desse direito seja justificável, mas as revelações do “Diário da Região” estão a anos-luz dessa condição.
Esta coluna, a última do ano, era para ser só um exercício de defesa da liberdade de expressão, mas a intenção foi posta a pique por uma constrangedora “barriga”, o jargão jornalístico que define a publicação de uma notícia errada.
A Folha relatou na sexta (19) a aprovação de uma emenda que conferia ao Ministério da Agricultura a competência exclusiva pela fiscalização sanitária dos frigoríficos, atribuição hoje dividida com governos estaduais e municipais.
A mudança foi noticiada com destaque na editoria de política, espaço incomum para tratar dos negócios da carne. A razão: a emenda era patrocinada pelo grupo JBS, dono da marca Friboi, o maior financiador da campanha eleitoral de 2014. Um presente desses, obtido nem dois meses após a eleição, era realmente um filé, se o leitor me permite um trocadilho indecente.
Assinada por três repórteres experientes, a reportagem seria um trabalho de primeira –não fosse o fato de que emenda não foi aprovada.
Nessa hora, qualquer um se pergunta como é possível escorregar numa checagem que parece tão primária? Fonte errada, leitor.
Segundo a Secretaria de Redação, o erro foi induzido por informações incompletas provenientes do Congresso.
“A informação da Mesa do Senado era que a medida provisória foi aprovada com o mesmo texto vindo da comissão especial que a analisara antes. Durante a tramitação, entre a tarde de quarta e a madrugada de quinta-feira, nenhum parlamentar ou jornalista teve acesso ao conteúdo alterado. O erro grave foi escrever a reportagem sem acesso ao texto final.”
Para um erro grave, uma resposta à altura: o jornal publicou no sábado, também com destaque, reportagem em que corrige a informação.
Entro em recesso por duas semanas. Boas festas a todos. Que 2015 desminta as previsões pessimistas do presente e revele que o futuro pautava uma notícia muito melhor.
******
Vera Guimarães Martinsé ombudsman daFolha de S. Paulo