A oposição sistemática cotidiana que as Organizações Globo fazem à atual administração federal compromete a qualidade de sua produção jornalística. No jornal das bancas, na GloboNews, no portal da web da Globo, a falta de diversidade é a regra: só se publica ou divulga o que é compatível com as posições editoriais da organização, integrada de forma vertical absoluta. Os jornalistas da Globo têm o direito de fazer oposição e questionar o poder. É seu dever. Mas devem e têm a obrigação de dar voz a quem pensa diferente, e não viver da submissão aos padrões editoriais escolhidos pela publicação e seu(s) dono(s).
Não se trata de quem é culpado, quem é inocente, quem ganhou ou quem perdeu. Ou do “petrolão” ou do “mensalão”, do PT ou do PSDB. O que importa aqui é a maneira de apresentar notícias de modo a influenciar o comportamento do povo. Estão atrasados na História aqueles que acreditam que este ainda percebe a imprensa como único veículo de informação confiável. A população já não está mais tão dócil às insinuações não comprovadas da mídia. Defende-se como pode nas mídias sociais e nos blogs.
A Folha de S.Paulo também faz oposição ao governo. Xico Sá saiu de lá reclamando da unilateralidade na cobertura presidencial de 2014. Mas, por outro lado, o jornal apresenta um quadro de colunistas que publicam com regularidade pontos de vista opostos aos do jornal. Como o New York Times e o “op-ed” (oposto, ou contra, à página editorial). São textos escolhidos ou encomendados a articulistas, cientistas e especialistas que publicam material que contradiz que foi publicado pelo Times.
A Economist prefere praticar o jornalismo engajado: aprova e desaprova ministros e administrações de vários países. Escolhe candidatos em eleições em outras regiões fora da Inglaterra e do Ocidente. Sai pelo mundo afora. É uma revista que gosta de ser chamada de jornal por seu passado glorioso no alvorecer do capitalismo na Inglaterra. Eles tomam partido e não simulam objetividade e imparcialidade. Discordo da maioria de seus comentários em política e economia. Aceito alguns de jornalismo cultural. Mas respeito a publicação tradicional por sua coerência em apresentar suas escolhas para os leitores sem máscaras.
Mesquinha, maniqueísta e provinciana
O Grupo Globo e seus múltiplos canais de mídia deveriam assumir suas posições mais abertamente (o “Grupo Globo” aqui serve como metáfora para a grande imprensa nacional). Anunciar suas simpatias e nomear de modo inequívoco seus desafetos. Explicar por que favorecem um lado e orientam seus profissionais a investir contra o outro sem publicar nada que contradiga o que foi dito, escrito ou transmitido por eles em favor de seus escolhidos. Isso é irritante e bastante visível na GloboNews, sobretudo.
Eles, lá na Globo (e em toda a grande imprensa nacional), junto com políticos da situação e da oposição, criminalizaram os protestos legítimos da população de 2013. Neste único ponto, oposição e situação alcançaram consenso em 2014, e isto foi trágico para a população: a voz do povo foi transformada em discurso criminalizado por uma imprensa paroquiana de uma sociedade que ainda vive a era pré-iluminista. Por uma mídia que incentivou a criminalização dos movimentos sociais urbanos em suas dimensões contemporâneas. A imprensa brasileira é de um atraso imperdoável. Tem muitos recursos, mas pouco dialoga com a mídia de outros países.
São os campeões do obscurantismo. Reverberam a voz do “velho do Restelo”, como se diz em Portugal: políticos corruptos à direita e esquerda, imprensa sem capacidade (ou vontade) de publicar o oposto do que acredita e defende. E quando não há coragem, criatividade ou inovação, manda a tradição. O direito ao contraditório deveria ser obrigação editorial. Reduzido a seus fundamentos básicos, um jornal tem duas partes principais que devem estar em equilíbrio: a editorial, que defende os pontos de vista daquela determinada publicação, e a parte das notícias. Os editoriais devem estar em segundo plano. Os fatos têm precedência sobre as crenças dos donos e diretores de organizações de notícias.
Nos últimos anos, assistimos ao crescimento, na imprensa internacional, principalmente, de uma tendência importante: a “op-ed”, o oposto da página editorial. Que é a divulgação de algo que contradiz de modo frontal a posição editorial assumida de uma determinada publicação. É o oposto do que o jornal acredita. Um antieditorial assinado. Precisamos muito disso aqui no Brasil. A vós discordante tem que ser ouvida com respeito. Com ela deverá haver deferência e entendimento mínimo para manter o debate produtivo. Mesmo que não seja possível a concordância. Sem isso, a imprensa nacional continuará mesquinha, maniqueísta e provinciana.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor