Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reino Unido teme expansão da propaganda russa

O BBC World Service está sendo financeiramente desarmado por canais de notícias estatais russos, alertou o ex-diretor do serviço mundial da rede britânica Peter Horrocks. À frente do serviço até setembro de 2014, Horrocks disse que os ministros britânicos devem analisar os gastos da Grã-Bretanha no exterior e considerar liberar financiamento extra à rede a fim de combater a onda panfletária que vem varrendo a Europa.

O alarmismo internacional sobre o crescimento dos canais de notícias financiados pelo Kremlin se intensificou após a intervenção militar de Vladimir Putin na Ucrânia e de sua rivalidade com o Ocidente. A grande preocupação é que os referidos canais divulguem fatos distorcidos sobre os conflitos no leste europeu.

Orçamento ilimitado

Globalmente, a operação de notícias da BBC parece saudável, tendo atingido audiência recorde de 265 milhões de pessoas por semana, incluindo 191,4 milhões com acesso ao BBC World Service, que transmite por rádio, satélite e via internet em 28 línguas (muito embora a empresa tenha sofrido uma série de cortes internos desde 2010). A quantidade de ouvintes do serviço em língua russa mais que dobrou, chegando a 6,9 milhões; ao passo que, na Ucrânia, a audiência triplicou para mais de 600 mil desde 2013.

Por outro lado, o canal de notícias 24 horas Russia Today também ampliou espetacularmente. A rede – que transmite uma interpretação pró-Kremlin dos acontecimentos em inglês, espanhol, árabe e russo – lançou recentemente um canal focado no Reino Unido, sediado no centro de Londres, e planeja lançar canais alemães e franceses em 2015.

Pouco antes de seu lançamento em Londres, o Russia Today causou entusiasmo entre jovens jornalistas devido à perspectiva de recursos aparentemente ilimitados. Os salários foram considerados astronômicos para a média do mercado.

Além disso, Putin já anunciou que aumentará o orçamento global da emissora em 40%. O canal se orgulha de seu alcance mundial de 700 milhões (embora nunca revele o tamanho real de seu público) depois de expandir suas transmissões em espanhol para toda a América do Sul.

Ao mesmo tempo, o Estado Russo tem aumentado os financiamentos à Rossiya Segodnya, agência de notícias global construída com os restos da antiga agência estatal RIA Novosti, dissolvida em 2013.

John Whittingdale, do Comitê de Esportes, Cultura e Imprensa do Parlamento inglês, disse que é assustador estar perdendo a guerra da informação para os russos e que iria buscar garantias do diretor da BBC News, James Harding, de que o BBC World Service seja protegido.

Guerra política

Sir Tony Brenton, ex-embaixador da Grã-Bretanha em Moscou, disse que o crescimento da propaganda pró-Kremlin na Europa é um reflexo da mentalidade insegura do governo russo. Ele não enxerga a ascensão do Russia Today como uma ameaça, mas adverte que quaisquer outros cortes no BBC World Service podem prejudicar a influência da Grã-Bretanha no palco global.

Richard Sambrook, ex-diretor da BBC Global News, alega que o serviço mundial da BBC tem, de fato, apenas uma fração do orçamento das estatais chinesas e russas, mas que não deixa de ser influente no cenário de notícias.

Em novembro de 2014, a divisão do Russia Today no Reino Unido foi ameaçada por sanções legais do Ofcom (órgão que regula o setor de telecomunicações no Reino Unido) por acusações de parcialidade em sua cobertura sobre a crise na Ucrânia. Algumas pessoas próximas ao Ofcom acreditam, porém, que exista um desejo proposital de conflito por parte dos dirigentes do Russia Today, com o intuito de obter razões para aumentar as ações panfletárias em favor do Kremlin.

A âncora americana Liz Wahl, ex-correspondente do Russia Today que se demitiu no ar, confirmou as inclinações pró-Kremlin do canal. “Quando você começa a trabalhar lá, lhe dizem que o objetivo da emissora é cobrir as histórias, ignorar a grande imprensa e fornecer uma perspectiva diferente em relação aos meios de comunicação tradicionais”, declarou ela ao Guardian. “Isto soa como uma missão nobre, certo? Bem, o que eles não dizem é que este não é o objetivo principal. Com o tempo, você aprende que as reportagens devem estar em conformidade com um princípio básico: fazer os Estados Unidos e o Ocidente posarem de vilões. E, quando fazem isso, a Rússia passa a parecer bem melhor em comparação”.

Erros de estratégia

Em artigo para o Guardian, o jornalista Josh Halliday declarou que a BBC perdeu espaço para o panfletarismo russo no Leste Europeu devido a “erros estratégicos” em sua gestão.

Em 2011, por exemplo, o BBC World Service teve sua transmissão direta interrompida na Europa devido a cortes orçamentários. No mesmo ano, Sir John Tusa, ex-diretor do serviço mundial, entrou em conflito direto com Peter Horrocks ao negar a liberação de financiamento extra para a emissora (ali então Horrocks já alertava sobre o crescimento das emissoras chinesas e russas). À época, Tusa justificou sua atitude dizendo que o BBC World Service era uma empresa de radiodifusão, não uma agência humanitária, e que o canal não era um braço do Ministério das Relações Exteriores.

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