Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A rota do mercado

Raramente um lançamento da indústria do entretenimento foi tão explícito em suas intenções quanto “Marco Polo”, a superprodução da Netflix, disponível aos assinantes do serviço desde o último dia 12 de dezembro.

Em dez episódios, ao custo de US$ 90 milhões (cerca de R$ 230 milhões), a série foi anunciada como a mais cara já produzida pela empresa.

Ela recria, com bastante imaginação, as primeiras aventuras do comerciante veneziano pela Rota da Seda, na Ásia, onde permaneceu por 24 anos, entre 1271 e 1295.

“Marco Polo” entrou no cardápio dos assinantes da Netflix no momento em que a empresa, procurando se expandir para além dos Estados Unidos, onde lidera o mercado de streaming, investe e desenvolve ações em outros centros, em especial na Europa, incluindo França e Alemanha.

As dificuldades neste movimento, avaliam analistas de mercado, são tão grandes e custosas quanto as que Marco Polo enfrentou no reino do imperador Kublai Khan.

Ao produzir e lançar “House of Cards”, em 2013, a Netflix fez muita propaganda do “método científico” usado para escolher não só a série, baseada em uma produção britânica, mas também o ator principal (Kevin Spacey) e o diretor (David Fincher).

Segundo a empresa, o investimento em “House of Cards” obedeceu ao cruzamento de preferências de consumo dos assinantes do serviço –fãs da série original, bem como de filmes estrelados por Spacey e/ou dirigidos por Fincher.

Adjetivos fortes

Para além das muitas qualidades de “House of Cards”, este método alardeado pela Netflix acrescentou uma espécie de selo de qualidade aos lançamentos do serviço.

E ele não decepcionou emendando várias produções de qualidade, muito acima da média: a quarta temporada de “Arrested Development”, “Orange Is the New Black”, a segunda temporada da série protagonizada por Kevin Spacey e a animação “BoJack Horseman”.

É preciso levar em consideração todo este contexto para tentar entender a decepção provocada por “Marco Polo”.

Diferentemente de todos os outros lançamentos citados, a nova série não tem nenhuma ambição de profundidade ou, mesmo, originalidade. “Marco Polo” busca parecer grandioso, com tomadas aéreas impressionantes e visível investimento em recriação de época, mas resulta numa salada com pouco tempero e gosto conhecido.

Não vejo, como muita gente apontou, “inspiração” em “Game of Thrones”, salvo pelo dinheiro gasto (ou jogado fora, diriam alguns). Há nítida influência de filmes de kung fu, seja em cenas de luta, seja na reprodução de “filosofia” oriental –uma mistura que muitas vezes não faz sentido algum e provoca risos.

“Marco Polo” busca atingir o grande público, o que não é demérito algum, mas faz isso com a mesma falta de leveza dos exércitos de Kublai Khan. A série abusa de clichês, exageros visuais, tramas forçadamente intrigantes, muito nonsense, além de um vilão bizarro, o poderoso chanceler chinês, que explica o mundo com a ajuda de grilos.

Recebida pela crítica nos Estados Unidos com adjetivos fortes (“grotesco”, “ridículo”, “sonolento”), resta saber se “Marco Polo” vai ajudar a empresa em sua tarefa de “conquistar” outros mercados.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo