Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O abismo digital cubano

Estamos em 2015. Pelas minhas contas, já devem estar se completando algo como os 30 primeiros anos da era digital que revolucionou o mundo, transformando profundamente as relações sociais, econômicas, políticas e até as que se estabelecem entre os indivíduos.

Minha mulher me conta que este ano será lançada a tecnologia Li-Fi, um novo tipo de conexão sem fios muito mais veloz que todas as já existentes, pois será feita com uma conexão de luz visível ultraparalela (não tenho nem ideia de como isso será), e espera-se que em breve seja possível realizar essa conexão entre telefones celulares através de uma fonte de luz.

Mas estou pensando em filmar nos próximos dias, para que sirva de memória no futuro, o processo de conexão ao correio eletrônico que sou obrigado a realizar todos os dias para poder fazer meu trabalho e desejar feliz Ano-Novo a meus amigos distantes.

Quem não tiver boa memória não acreditará. Quando recebe o número de meu servidor, o modem instalado em meu computador começa a guinchar como se alguém tivesse pisado sobre sua cauda, e às vezes guincha e guincha até uma voz recomendar que você tente outra vez mais tarde, pois as linhas estão congestionadas, ou até aparecer um aviso me dizendo que devo redial.

Nos dias de sorte, depois do guinchado vem um apito prolongado que então dá lugar ao silêncio e à dúvida: será que me conectei?

Passo importante

E, se eu consegui me conectar telefonicamente e por fio, começa a parte mais tensa da odisseia cotidiana: esperar que baixem as mensagens acumuladas na bandeja do servidor, numa velocidade nunca superior a 56 kb…

Ou seja, como se chegassem se arrastando, num mundo onde já se planeja viajar à velocidade da luz.

E se eu quiser me conectar à internet? Bem, isso é algo como tentar escalar a parede de gelo do popular seriado Game of Thrones.

Todos em Cuba parecem concordar que o abismo digital existente no país limita as possibilidades de comunicação, conhecimento e relação dos habitantes da ilha e, é claro, de empresas, centros culturais e escritórios administrativos.

Até agora a conexão por cabo de fibra óptica estendido desde a Venezuela (capaz de multiplicar em muitas vezes essa velocidade de conexão que pretendo filmar) só teve uso social em cibercafés e em alguns centros trabalhistas e estudantis. O setor doméstico ainda terá de esperar. A infraestrutura do país não comporta muito mais.

Entre as propostas que o presidente dos EUA, Barack Obama, fez ao governo cubano de Raúl Castro no calor do restabelecimento próximo das relações entre os dois países está a de modernizar as comunicações da ilha.

Se esse esforço for possível, será preciso aguardar a resposta política cubana à existência de uma conectividade mais eficiente e aberta das pessoas.

Será um passo importante para começar a cobrir o abismo digital que compromete gravemente o futuro econômico e intelectual de um país que se conecta no século 21 com ruídos do século passado.

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Leonardo Padura é escritor e jornalista