Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Adoção de ‘paywall’ cresce e alavanca assinaturas

Em outubro passado, o jornal O Estado de S.Paulo tornou-se o décimo jornal do país a cobrar pelo conteúdo digital pelo sistema chamado de paywall (em inglês, muro de pagamento), desenvol­vido pelo The New York Times e adota­do pela Folha de S.Paulo e vários outros jornais.

A adoção do paywall é um dos fato­res que impulsionam as vendas das assinaturas digitais, junto com outros processos como o avanço da banda larga no país e a popularização de mobiles (tablets e smartphones). O IVC, que faz auditoria de circulação impres­sa, iniciou esse procedimento com o digital há cerca de oito anos. Segundo seu presidente, Pedro Silva, a partir dos últimos três anos a circulação digital passou a ser mais significativa, com alguns jornais se destacando na venda de assinaturas online, com uma estabili­zação das edições impressas em 2014 e um avanço das digitais, tendência que deverá se repetir em 2015.

O Globo implantou o paywall em setembro de 2013. “Adotamos o modelo de paywall poroso como parte da estratégia de valorização do conte­údo de qualidade produzido pelo jor­nal. O modelo permite uma degusta­ção do conteúdo. Depois de certo nível de navegação, o leitor é convidado a degustar todos os produtos premium mediante cadastro. O próximo passo é tornar-se assinante para ter acesso ili­mitado a todos os produtos: site do jornal, revista digital O Globo a Mais, Acervo, jornal e ebooks,” explica Marcelo Corrêa, Gerente Geral de Mercado Leitor da Infoglobo.

No período de um ano, O Globo teve mais de 150% de crescimento da base de assinantes digitais, diz Corrêa. Esse aumento também pode ser atribuído a campanhas digitais segmentadas, ao estímulo à degustação e a melhorias nos fluxos de compra, bem como um rigoroso treinamento da equipe de atendimento.

Marcelo observa que há claras mudanças de comportamento de consumo de conteúdo, mas elas não são encaradas como ameaça de canibalização de assinaturas em papel. “Na verdade, percebemos como uma oportunidade, pois o digital se torna uma alternativa atraente ao assinante que já pensava em cancelar sua assinatura do impresso. Ao oferecer a assinatura digital, conseguimos manter um assinante na base, ao mesmo tempo em que trazemos novos assinantes, que não pensavam em assinar o impresso”, explica.

“Este foi o ano de início da alavancagem na venda de assinaturas digitais. Estamos praticamente triplicando nossa base de assinantes, desde o início de 2014. As principais táticas usadas foram aproveitar a audiência do site ofertas e a busca de parcerias”, explica Corrêa.

Melissa Beltrão, Gerente-Geral de Negócios Digitais da Infoglobo, diz que 2014 foi um ano positivo para O Globo porque o crescimento foi fruto de várias ações, tais como novas ofertas de conteúdo e produtos digitais, melhor segmentação de usuários e leitores com perfil, o que resultou em melhores taxas de conversão. Por isso, as metas para 2015 são as de um crescimento ainda mais agressivo da carteira.

Em Curitiba, a Gazeta do Povo adotou o paywall poroso em outubro de 2012. “O paywall reforçou o conceito multiplataforma porque todos os assinantes passaram a ter, sem nenhum custo adicional, acesso ilimitado ao conteúdo em todas as plataformas. Queremos que nossos leitores tenham acesso ao nosso conteúdo quando e como quiserem, de acordo com sua necessidade e interesse. Em pesquisa recente realizada pelo jornal, o item Você decide onde ler foi destacado como um dos principais benefícios da assinatura”, afirma Alexandra Carvalho, diretora Comercial de Audiência da Gazeta do Povo.

Ela lembra que o modelo adotado pela Gazeta do Povo permite gerenciar o volume de acesso e assim reforçar o valor do conteúdo e do assinante sem prejudicar o acesso de leitores eventuais e novas audiências. “O paywall facilita e fortalece a interação do leitor com o jornal, além de ampliar a possibilidade de conhecer e reconhecer o leitor e seu consumo de notícias. Vemos enormes possibilidades de crescimento e estamos nos preparando para aproveitar essa oportunidade”, comenta Alexandra.

Pesquisas de mercado ajudam a definir modelo

Os leitores de O Estado de S.Paulo na internet ou em plataformas móveis podem acessar gratuitamente. Quem não é assinante do jornal impresso ou digital pode acessar gratuitamente 20 reportagens por mês. A partir daí são convidados a fazer assinatura, com diferentes opções de cardápio e pre­ços. Nada mudou para quem já era assinante do Estadão em qualquer um dos dois canais. A medida decorre da adoção do sistema de paywall, em outubro último.

Na opinião do diretor de Mercado Leitor do Grupo Estado, Alexandre Buarque Tubenchlak, o paywall é uma tendência internacional e importante ferramenta para garantir a sustentabili­dade do modelo de jornalismo de qua­lidade no mundo digital. “O principal objetivo é garantir a sustentabilidade do nosso modelo de jornalismo no mundo digital. Esse modelo tem como pilares a qualidade, a profundidade e a análise na produção de conteúdos, for­tes atributos da marca Estadão. Para isto, precisamos de investimentos cons­tantes em profissionais, produtos e tec­nologia, visando a melhor experiência de nossos clientes”, afirma.

Antes de implantar o paywall, o Estadão priorizou a realização de estu­dos intensos sobre a audiência e o mercado. Com base nisso, desenvol­veu e lançou uma série de produtos, tais como: o Estadão Premium, versão multimídia da edição diária; o Estadão Noite, edição digital vespertina com análises exclusivas; o Olhar Estadão, parceria com o NYT focada em foto­jornalismo; e mais recentemente o redesenho do portal do Estadão, com visual mais moderno, fácil de navegar e compartilhar.

Segundo ele, a receptividade do paywall tem sido ótima, com vendas dentro do planejado e clara aceitação pelos leitores. “Além dos bons números de venda, os contatos feitos com nosso SAC e Canais Eletrônicos (Portal do Assinante, E-mail e Chat) têm nos mostrado que o movimento está sendo compreendido com naturalidade e clareza. De uma forma geral, temos no digital um público mais jovem do que nosso leitor da versão impressa. Mesmo assim, é atuante no mercado de trabalho, tem boa formação acadêmica e poder aquisitivo. Para esse público, informação de qualidade é algo fundamental para melhorar sua vida pessoal e profissional”, afirma Alexandre Buarque.

Ele explica que o Estado de S. Paulo tem investido fortemente em e-commerce: hoje, a loja eletrônica (o portal Assine) responde por mais de 90% das vendas de assinaturas digitais. A meta é proporcionar uma experiência de compra cada vez mais fácil e rápida para o consumidor, algo fundamental no mundo digital. Lá, há dois produtos em destaque: a assinatura, que permite o acesso ilimitado ao Portal Estadão, por R$ 9,90 ao mês, e a assinatura Estadão All Digital, que possibilita o acesso total às entregas digitais, por R$ 29,90 ao mês. Há uma versão específica do portal para smartphones, que corresponde a parte considerável da audiência.

Nos últimos dois anos, o grupo investiu cerca de R$ 27 milhões em software para aprimorar a experiência do usuário na internet. Também houve forte investimento na infraestrutura de produção e transmissão de conteúdos, como vídeos. Vários processos de trabalho foram redesenhados com o objetivo de dar maior agilidade e qualidade às publicações, seja na web, na rádio ou nos smartphones.

Para 2015, o Estadão projeta um cenário de estabilidade para a circulação impressa e crescimento na digital, a exemplo do que vem acontecendo nos principais jornais do mundo. Para isso, o planejamento engloba desenvolvimento de produtos, novas ofertas, comunicação em diversas mídias e novos canais de venda e serviços.

Brasil já tem 574 mil edições digitais pagas

Os jornais brasileiros já possuem mais de 574 mil assinantes de edições digitais, segundo os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC) de outubro, o último levantamento dispo­nível. A auditoria das edições digitais, paralela à feita em relação às edições impressas, abrange 26 veículos.

A edição digital da Folha de S.Paulo lidera o ranking com 151.552 assinaturas, um crescimento de 149,02% ao ano. Na sequência apare­cem O Globo, com 145.562 e O Estado de S.Paulo, com 69.059 assinaturas digitais. Todos os demais têm menos de 40 mil assinantes digitais.

O levantamento não reflete a reali­dade da leitura dos jornais em edições digitais porque em geral os assinantes das edições impressas têm acesso às versões digitais gratuitamente. Nesses casos, ainda que o acesso seja mediante cadastramento, o que supõe certo grau de fidelização, os números não são computados pelo IVC porque para isso a assinatura deve ser paga, ainda que com desconto de até 85% em relação à versão impressa.

O crescimento das assinaturas digi­tais no Brasil desmente o mito de que os internautas não aceitam pagar por conteúdo digital. Pelo contrário, con­firmam dados do relatório Digital News Report 2014, do Reuters Institute, abrangendo 9 países – Brasil (urbano), Itália, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, Dinamarca, Finlândia, França e Japão. De acordo com essa fonte, os brasileiros são os mais dis­postos a pagar por notícias em meio digital (61%), contra apenas 11% dos norte-americanos e 8% dos japoneses, estes os mais arredios.

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Milton Correia é jornalista