Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Feliz 1995

Pode não parecer, mas escrever sobre tecnologia após o surgimento da internet é, na verdade, escrever sobre política. Claro: há os aparelhos bacanas e uns programinhas, há sites divertidos aos quais entregamos nosso tempo, mas no fundo a questão é política. A disputa das empresas é por espaço, poder e controle. Uma briga geopolítica no mundo formado entre as telas e o ciberespaço.

Há 20 anos, quando comecei a escrever sobre tecnologia, este campo se dividia da seguinte forma. A superpotência era a Microsoft. Quase todo computador rodava Windows 3 ou 95. Se manipulasse seu sistema para que algum programa funcionasse mal, Bill Gates teria o poder de condenar à morte qualquer concorrente. Não à toa, em finais dos anos 1990 o governo dos EUA entrou com um pesado processo antitruste contra a empresa. Todo o universo digital era tocado em algum momento pela Microsoft.

Pois pense Google. É a superpotência corrente. Se quiser manipular sua busca, lança ao chão qualquer adversário. E a União Europeia anda cercando-o, pois enxerga monopólio.

Naquele tempo de então, nos EUA, a America Online (AOL) era a porta de entrada para a internet que nascia. Muita gente sequer deixava o ambiente da AOL, o primeiro dos portais. Seu sistema de conversas instantâneas era o mais popular e, quando deixou de ser, ela rapidamente adquiriu o ICQ, seu principal concorrente. Havia páginas de perfil para cada usuário e muitos fóruns de conversa. Boa parte das iniciativas da AOL fracassou. Mas, enquanto o acesso à rede dependeu de usar a linha telefônica, o portal fez muito dinheiro.

Pois é: Facebook. Tem um sistema de conversas popular e comprou o WhatsApp. Páginas de perfil e centro de boa parte das discussões da rede. Tem gente que nem sai de lá. A AOL foi virando o lugar dos velhos com o passar do tempo. Será o destino do Facebook?

Gigantes e anões

A Microsoft não comandava sozinha o mundo dos micros. Compartilhava o poder com a Intel. Pois quem faz celular Android não depende só do Google. Tem de lidar também com a Qualcomm, que domina os chips para smartphones.

Mas havia uma marca que escapava a esta dinâmica: Sony. Ninguém fazia produtos eletrônicos mais bonitos e elegantes, que sempre funcionavam redondo. Ter um produto Sony dizia muito a seu respeito. E custava caro, mesmo quando a concorrência oferecia algo muito similar.

Alguém pensou na Apple?

Que tecnologia é um jogo político, quem lida com o assunto não tem dúvida. Mas o incrível paralelo com os anos 1990 que vivemos hoje foi sacado pelo excelente Nilay Patel, editor do site The Verge. Deixa claro como a natureza do conflito é a mesma, embora falemos hoje de terabytes e não kilobytes.

A Sony tinha uma fraqueza que lhe custou caro com o tempo. Era incapaz de desenvolver bom software. E, conforme os eletrônicos ficaram mais e mais digitais, os produtos Sony decaíram. A Apple também tem seu ponto fraco: serviços. A nuvem é precária, o e-mail não é nenhum Gmail, o mapa é meia boca. Serviços são cada vez mais importantes.

Na época, a Apple era carta fora do baralho. Como a Blackberry é hoje. Nada está escrito nas estrelas. A história ensina, tende a se repetir. Mas as decisões certas podem evitar os mesmos destinos. A briga é a mesma, o gigante de hoje pode ser anão amanhã. Ou não.

Feliz 2015!

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Pedro Doria, do Globo