O Acordo Ortográfico vinha sendo o pomo da discórdia entre os profissionais da língua portuguesa. Agora é a vez da 5ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, mais conhecido como VOLP.
A Academia Brasileira de Letras e a Global Editora na verdade pregaram uma peça no distinto público. Não foi a primeira. Ano passado saiu o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, pela Companhia Editora Nacional, com o selo da Academia Brasileira de Letras na capa, com a expressão em latim ad immortalitatem. A tradução literal é ‘para a imortalidade’; o sentido comum é ‘para sempre’.
Mas, como na história do lexicógrafo que passou mal quando fazia seu pai-dos-burros, morrendo justamente no verbete ‘azurrar’, o dicionário escolar, com o endosso da Academia Brasileira de Letras (grifos do colunista) tinha muitos erros!
O VOLP, que está lesando o Acordo e a língua portuguesa, não tem lesa-língua, lesa-democracia, lesa-cultura, lesa-propriedade, lesa-inteligência e lesa-natureza, todas presentes no Aulete, menos lesa-língua. Mas tem lesa-felicidade, lesa-filologia, lesa-formosura, lesa-moralidade, lesa-gramática, lesa-humanidade, lesa-legalidade, lesa-nação, lesa-pátria, lesa-penitência, lesa-razão, lesa-sociedade, lesa-seriedade e lesa-fradaria.
Lembrando os que lesam um grande número de frades, pôs este lesa-fradaria. E surrupiou o hífen de conto do vigário, de pé de moleque e sequer registrou seqüestro-relâmpago, que, ausente de quase todos os dicionários, está entretanto no Aulete. É inexplicável. Provavelmente até seus autores já sofreram seqüestro-relâmpago.
Ainda que reconhecendo as imperfeições e admitindo que a consulta deveria ter sido feita a mais gente – de preferência, aliás, em plebiscito, já que nossos parlamentares não cuidaram do tema com a diligência que ele requeria, o fato é que o Acordo é lei. O decreto foi assinado pelo presidente Lula dentro da Academia Brasileira de Letras. Um espírito de corpo ou espírito de porco (o VOLP não tem nenhum dos dois) disseminou na internet que este foi um dos mais claros sinais do apocalipse.
Língua de todos
As maiores inconformidades estão aparecendo na mídia, em colunas de língua portuguesa. Como se sabe, essas seções não surgiram do nada, vieram para preencher insuficiências escolares e democratizar o uso da norma culta, destrinchando dificuldades de português em estilo acessível a todos os usuários, não apenas a especialistas.
O professor Pasquale Cipro Neto, idealizador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, transmitido pela TV Cultura e pela Rádio Cultura AM, de São Paulo, recomendou a telespectadores e ouvintes, e também aos leitores de sua coluna na Folha de S.Paulo, que não comprassem livro algum sobre o Acordo para não perderem dinheiro. Infelizmente tinha razão.
Cláudio Moreno, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor de teleaulas de língua portuguesa na Universidade Estácio de Sá (Rio), que mantém colunas de língua portuguesa na internet e no jornal Zero Hora, tem sido o mais duro crítico:
‘A Academia literalmente nos atropelou com a publicação do seu Vocabulário Ortográfico, cujos responsáveis um dia serão castigados por infligir ao nosso pobre idioma um dano ainda maior que os prejuízos causados por esta reforma infeliz. Em outras palavras, o Acordo foi a queda, o VOLP foi o coice’.
Com a palavra, todos, pois a língua é de todos! É em língua portuguesa que o povo, por não dominar suficientemente a norma culta, reivindica 50% do que merece. Outros, por a conhecerem melhor, dão 50% do que pediu. Em resumo, quando bem atendido, o povo recebe 25% do que solicitou.
Desta vez, com o Acordo Ortográfico e com o VOLP, recebeu principalmente o que não pediu.
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)