Essa pergunta poderia muito bem ser feita a responsáveis pelo governo desenvolvimentista do nosso país e à imprensa que “nos” serve. Os Mundurukus são mais de 12 mil e vivem à beira do rio Tapajós na Amazônia, a oeste do Pará. Há 13 anos lutam pela demarcação de suas terras e isso está cada vez mais longe de acontecer, pois é interesse do governo federal que a área que esse povo indígena habita seja inundada para dar origem à usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Por essa razão, os Mundurukus iniciaram uma autodemarcação e o clima na região, claro, tende a não ficar ameno.
A história desse povo, que necessita da chamada terra-preta da Amazônia para plantar e dar continuidade à sua cultura, trajetória e espécie, é bem maior do que essa ridícula introdução esboça. E hoje, graças à internet, ela começa a ser narrada e publicizada por documentaristas, sociólogos, etnólogos, ambientalistas, professores, ativistas e, sempre o mais importante, pelos próprios Mundurukus.
Minha ignorância sobre esse povo que está correndo grave risco de desaparecer em meio ao progresso e à ordem do nosso país deve se estender a grande parte da população que, direta ou indiretamente, descende dos povos nativos. A falta de informação e dados sobre esse povo que deve ser preservado, respeitado – e não reinventado como índios civilizados (um desfavor absurdo que temos feito há décadas no Brasil ao afirmarmos no auge de nossa ignorância que eles não são mais índios e que precisam do nosso desenvolvimento) – se deve, em grande medida, a um interesse compartilhado pelo governo e pelas empresas de comunicação em silenciar mais esse episódio que depõe contra nossa história.
Enquanto jornalistas, leitores, usuários de redes sociais e debatedores pelo Brasil inteiro ficam acusando a que interesses a mídia atende com mais frequência, se os dos liberais ou se os dos estadistas, começo a desconfiar que os esquizofrênicos somos todos nós. Não conseguimos enxergar que imprensa “oficial”, mídia, grandes empresas e agências de comunicação são, antes de qualquer coisa, sistema. Assim sendo, elas não tendem a destoar das histórias oficiais, aquelas que omitem, reprimem, apagam a narrativa de povos como os Mundurukus.
O compromisso com as gerações futuras
A imprensa não tem necessariamente um partido, como gritam a plenos pulmões aqueles que, defensores de um em particular, acreditam que o seu nunca foi favorecido. A imprensa, e podemos incluir também o mercado editorial, escreve a história do presente, arbitrando e definindo seus protagonistas. E nesse jogo, o casamento entre imprensa e governo, independente de siglas, é bem mais harmonioso do que pensamos.
A comunicação em rede e por redes causa certo ânimo na medida em que possibilita a inserção de protagonistas nessa tal história do presente que não dependam (por enquanto?) do aval da imprensa ou dos governos para aparecerem. E, enquanto isso funciona sem regras governamentais e econômicas, temos que aproveitar para fazer aparecer as histórias omitidas e com isso complexificar (e não confundir) na cabeça do leitor, do usuário de redes sociais, do amigo, do desconhecido etc., a noção do que seja o balizamento de uma história.
Uma vez compreendido que a história é uma narrativa, uma escolha, um estabelecimento de critérios, uma sistematização e que por isso está instituída por algum grupo ou algumas forças, a população pode acabar entendendo que toda sistematização é uma exclusão, e que se quisermos ainda defender atitudes democráticas talvez tenhamos que nos voltar às imperfeições do sistema, ao desregramento da história.
Isso a que poderíamos chamar de recuo epistemológico (um passo atrás nas regras e nos limites do jogo) pode nos ensinar a reconceituar certas coisas. E um conceito que há muito carece de revisão é o de desenvolvimento. Se desenvolvimento implica em extermínio de culturas e pessoas (sim, índios são seres humanos e não incapazes como quer nossa lei), ou abdicamos do desenvolvimento ou o reinventamos em cima de outras bases mais humanas.
Muito se fala em sustentabilidade e pouco ou quase nada se incorpora desse compromisso. Do pouco que sei sobre o conceito de sustentabilidade, um ponto me chama bastante a atenção: resolver os problemas do presente sem comprometer as gerações futuras. Bom, tendo em vista o que a imprensa e o governo federal têm feito ao desprezar a história e a vida dos Mundurukus, pouco se tem pensado em gerações futuras; a menos que para eles – governo e imprensa, assim como para nossa linguagem jurídica – índio não seja gente.
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Cristiano de Sales é professor de Comunicação Social