Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Charges, a resposta ideal aos terroristas

A mídia da Europa deveria responder aos assassinatos perpetrados por terroristas islamistas em Paris com a publicação coordenada, na próxima semana, de charges selecionadas do Charlie Hebdo e um comentário explicando por que o fazem: uma semana de solidariedade, e de liberdade. Uma semana em que todos os europeus, incluindo os muçulmanos, poderiam reafirmar seu compromisso com a liberdade de expressão, a única que nos permite associar a diversidade à liberdade.

De outro modo, o veto dos assassinos prevalecerá. Apesar de todos os audaciosos editoriais, dos cartuns em sinal de solidariedade e as comoventes manifestações em que tantas pessoas declaram “Je Suis Charlie” (Eu sou Charlie), a maioria das publicações que costuma decidir por conta o que publicar e, no futuro, passará a se censurar por medo. E violentos extremistas de outras correntes terão aprendido a lição: se quiserem reforçar o seu tabu, usem suas armas.

Não resolvemos diferenças por meio da violência. Resolvemos com diálogo. Esse é o princípio elementar que nós, principalmente os que vivem da palavra e da imagem, devemos defender com nossa união. As pessoas podem se enfurecer, apelar para a crueldade, o sarcasmo, a ofensa – e ser ofendidas por isso. Para isso existem limites estabelecidos por lei e elas podem tentar modificar a lei por meio do Parlamento. Podem manifestar-se de maneira pacífica e também usando a desobediência civil. Mas só o Estado democrático pode fazer uso legítimo da força.

Eu sugeriria que, durante essa semana, os veículos de comunicação incluíssem não apenas alguns cartuns do Charlie Hebdo relacionados a Maomé, mas também um ou dois sobre outros temas, para que todos pudessem ver que esse é um semanário satírico, que pode ser considerado ofensivo por diferentes tipos de pessoas. É isso que a sátira provoca. E um comentário deveria explicar por que a mídia que não costuma publicar com frequência cartuns satíricos o faria agora. Leitores e telespectadores deveriam ser informados de antemão da divulgação, mas as imagens em si não deveriam ser editadas.

O que está em jogo

Se nada acontecer, as notícias continuarão seu fluxo irresistível. Esse é o momento peculiar para a Europa erguer-se numa atitude solidária em defesa da liberdade de expressão que é fundamental para os nossos valores e modo de vida. E pela liberdade da qual depende a maioria das outras liberdades.

Todo jornal, revista, site, blog de emissoras ou página da mídia social terá sua maneira de comentar. O meu texto seria mais ou menos assim: “Jamais devemos permitir que a liberdade de expressão seja reprimida pela violência. Por isso, nós, que não costumamos publicar charges satíricas, o fazemos agora, com outros veículos de comunicação de toda a Europa. Somente essa solidariedade mostrará aos assassinos, ou aos aspirantes assassinos, que eles não podem dividir para governar, intimidando a mídia a ponto de esta passar a se censurar. O ataque a um desses veículos é um ataque a todos.”

O que os assassinos terão conseguido é que as charges sobre Maomé agora serão vistas por milhões de pessoas que, de outro modo, não as veriam. Foram os assassinos, e não os chargistas que afetaram a imagem do profeta. Pois agora, existe um interesse irresistível e legítimo de conhecer a causa ostensiva da grotesca matança terrorista dos chargistas franceses Charb, Cabu, Wolinski e Tignous – cujos nomes agora viverão na história – e dos seus colegas e dos policiais.

Esta publicação coordenada não é um gesto gratuito. Não é contra o Islã. Aliás, ela defende as próprias condições em que os muçulmanos da Europa, ao contrário dos cristãos, ou dos ateus em grande parte do Oriente Médio, podem livremente expressar suas próprias convicções mais profundas e desafiar as dos outros. O que está em jogo é o futuro da Europa, e o da liberdade. Pois nossa convivência em liberdade depende disso: o veto dos assassinos não prevalecerá.

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Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford e pesquisador sênior da Hoover Institution, na Universidade de Stanford