Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O preço da coragem

Será que a sátira realmente pode tudo? Onde a liberdade acaba quando se fala em religião? Muitos se fizeram tais perguntas após o atentado contra o semanário satírico Charlie Hebdo – mas essas são as questões erradas.

A frase do cronista alemão Kurt Tucholsky, um dos mais brilhantes jornalistas da República de Weimar, “a sátira tem um limite mais elevado”, tornou-se obsoleta, pelo menos desde a controvérsia sobre as caricaturas de Maomé. Por uma década, tivemos tempo para virar e revirar cada argumento, para ponderar.

Não importa mais se a redação do Charlie Hebdo ocasionalmente foi longe demais em seus artigos e charges. O massacre de Paris muda a perspectiva. Por muito tempo, nos escondemos atrás da discussão sobre “onde estão os limites da arte”, nos esquecendo de considerar a verdadeira questão: estaríamos dispostos a pagar o preço da liberdade?

Os jornalistas assassinados no 11° arrondissement de Paris tiveram a coragem sem precedentes, de resistir a ameaças e pressões e simplesmente fazer seu trabalho. Eles provocaram políticos franceses, suportaram críticas de colegas e viveram com ameaças de morte.

A partir de hoje, conhecemos o preço de toda essa coragem. É quando chega a próxima pergunta: se a fúria assassina dos fanáticos chega até as redações, quem protege os corajosos? Será que ainda resta algum corajoso? Imediatamente após o ataque de Paris, alguns editores decidiram borrar fotos de capas mais picantes do Charlie Hebdo. Como medida de precaução. Que não nos deixemos enganar: o medo corre pelas redações.

Mas também aconteceu outra coisa naquele mesmo dia: logo após o massacre, pessoas ao redor do mundo enviaram mensagens de solidariedade ao Charlie Hebdo. Sob a hashtag #JesuisCharlie, sinalizaram que “cada um de nós é Charlie”. Cada jornalista. Cada artista. Cada um que se expressa abertamente. Um protesto digital coletivo, que fica mais barulhento a cada hora.

Agora, todos nós precisamos de tais ações contra o desespero. Para que, assim, uma outra frase não se torne obsoleta: “posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Mesmo que hoje saibamos que o grande Voltaire nunca a tenha literalmente escrito, ele estava certo.

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Rainer Traube, da redação de cultura da DW