Um elemento novo surgiu nos debates políticos nacionais: a chamada “soberania digital”, um conjunto de medidas para que um país não se torne excessivamente dependente de outros no que diz respeito ao uso da tecnologia e da internet.
O conceito surgiu a partir da constatação de que a rede faz parte da infraestrutura básica dos países, com a qual cada vez mais serviços públicos vão se integrar: transporte, energia, telecomunicações, saúde, planejamento urbano, defesa. Com isso, na medida em que um país fica dependente de outro com relação à internet, seus serviços públicos por tabela também ficarão.
Não existe uma receita única para promover a “soberania digital”. Países autoritários, como a China, são o caso mais extremo. Exercem controle estatal direto e proíbem estrangeiras de atuar na rede local, tanto na infraestrutura técnica, quanto na camada dos serviços.
A China simplesmente proíbe que sites estrangeiros operem localmente. Na lista: WordPress, Vimeo, Google, Facebook, Dropbox. Nenhum é acessível por lá. As penas para quem contorna a proibição são severas.
Outras medidas extremas para a promoção da soberania digital incluem, por exemplo, uma lei aprovada recentemente na Rússia. Ela obriga empresas de internet a armazenarem dados coletados sobre russos em servidores localizados no país.
Protagonista relevante
Apesar desses casos extremos, que mancham a própria ideia de “soberania digital”, o conceito é na verdade de importância crucial. Todo e qualquer país hoje, incluindo o Brasil, precisa ter uma política sobre o tema. Na área civil, o Ministério que vinha ensaiando um pensamento mais sistemático sobre o tema era o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Por exemplo, o MCTI organizou em abril de 2014 o NetMundial, a bem-sucedida iniciativa brasileira de discutir a “governança” da rede a partir de modelos mais abrangentes.
Com a troca recente de Ministros, há nos bastidores uma movimentação para se retirar do MCTI capacidades para articular esse tema. A ideia é transferir competências exercidas pelo MCTI nos últimos anos para o Ministério das Comunicações e a Anatel. Se a mudança for para frente, será um erro. A “soberania digital” é conceito que deve ser articulado de forma ampla, e não a partir de uma visão setorial. Afirmar que o tema pertence institucionalmente ao território das “comunicações” é partir de uma premissa equivocada.
Para promover a soberania digital o Brasil precisa articular fatores complexos: mobilizar universidades para a questão; promover a concorrência, diversificando a infraestrutura da rede nos níveis regional e global; desenvolver capacidades para concorrer com serviços online globais; promover marcos legais que reforcem direitos e ajudem a inovação etc. Algumas dessas medidas passam pelo setor de telecomunicações. A maior parte delas, não.
Há uma expectativa de que o Brasil avance como um protagonista relevante na governança da internet global. Para isso acontecer, primeiro o tema precisar ser enfrentado localmente e ser encarado como política de Estado.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro