Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Regulação das comunicações e a base aliada

Como em todo princípio de governo petista, volta à baila o tema da regulação das comunicações. Nos três mandatos anteriores, um dos principais motivos alegados para não tratar do assunto foi a falta de vontade política para enfrentar a toda poderosa Globo. Mas, vamos analisar o caso da radiodifusão, talvez a questão mais sensível entre os temas ligados à regulação das comunicações.

A Globo não participa desse mercado paralelo de compra e venda de outorgas de rádio e TV.

A Globo não arrenda parte da sua grade para o proselitismo religioso de qualquer espécie.

A Globo não arrenda parte de sua grade para programas de televenda (que acabam ultrapassando o limite legal de 25% da programação destinado à publicidade).

A Globo não participa do curioso fenômeno das “rádios de rodinha” (apelidado dado por um de seus maiores incentivadores, Johnny Saad, presidente da Bandeirantes), que consiste em conseguir outorgas em cidades pequenas, pouco disputadas, e depois obter uma liminar na justiça e transferir as outorgas para um grande centro urbano.

No que se refere à radiodifusão, a posição da Globo está basicamente concentrada em (1) manter-se como transmissora e não adotar o modelo de programadora já usado na TV paga, (2) não permitir a multiprogramação com o objetivo de evitar a concorrência e (3) impedir qualquer proposta que ameace o formato de rede verticalizada (como a introdução de cotas de conteúdo regional e independente).

O curioso é que as quatro questões apontadas acima, e que não tocam nos interesses da Globo, poderiam ser evitadas sem a necessidade de uma nova legislação (embora a atual, de 1962, seja caduca e reacionária). Bastava o governo impor a legislação que já existe.

O autor desse texto participou da equipe de transição do governo Lula, no final de 2002. Ele é testemunha ocular de que desde essa época o governo está consciente da existência de tais irregularidades na radiodifusão. O governo também sabe que entidades da sociedade civil (como o Coletivo Intervozes) e o Ministério Público Federal possuem ações na justiça questionando várias dessas irregularidades.

Base aliada

Ora, se não é necessário aprovar uma nova lei, se pelo menos as quatro questões apontadas acima não tocam nos interesses da Globo e se o governo já tem conhecimento desses problemas, por que nunca se fez nada a respeito? Porque a Globo não é o único entrave para moralizar a radiodifusão no Brasil. Se quiser de fato resolver esses problemas, o governo terá que se indispor com os políticos donos de outorgas de rádio e TV e com as igrejas pentecostais e católica. O que significa, na prática, desafiar boa parte de sua base aliada no Congresso Nacional. Aquela mesma que o governo vem tratando a pão de ló na formação do novo ministério.

Resolver as irregularidades da radiodifusão significa brigar com a Globo, com certeza, mas representa, também, se indispor com Jader Barbalho, Collor, Sarney, Eduardo Cunha, a Igreja Universal e vários outros integrantes da base aliada.

Vai encarar?

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Gustavo Gindre é jornalista, pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER) e mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ). Foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos (2004-2007 e 2007-2010). Integrante do Coletivo Intervozes. Fellow da Ashoka Society