Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Apocalípticos desintegrados

Na sexta-feira (16/1), um hacker se apoderou da conta da centenária agência UPI no Twitter e tentou recriar o pânico que Orson Welles produziu ao transmitir pelo rádio A Guerra dos Mundos, de H.G.Wells, no Halloween de 1938. Em nome da UPI, o hacker noticiou que EUA e China disparavam mísseis um contra o outro, que o FED declarara feriado bancário, e culminou seus minutos de fama citando papa Francisco: “A 3.ª Guerra Mundial começou”.

Passou despercebido.

O mundo acabando, e ninguém nem aí para a notícia? A culpa foi integralmente do invasor. A UPI já foi uma das maiores agências de notícias do mundo. Com 200 sucursais em 92 países, era assinada por 6 mil jornais. Mas sucumbiu à concorrência antes mesmo de a internet se popularizar. Decaiu ao ponto de ser comprada pelo reverendo Moon. Tem tantos seguidores no Twitter quanto este colunista – ou seja, é uma ilustre anônima na rede.

O hacker não conseguiu replicar Orson Welles por falta de talento, alcance e, principalmente, de credibilidade do veículo hackeado. Pouca gente segue a UPI, e quem segue não acreditou no que leu – até porque alguém mais haveria de dar uma notícia como aquela. Essa é uma das vantagens das redes online: qualquer um pode conferir uma notícia a qualquer momento, tantas são as fontes disponíveis a toda hora. Quem não confere é porque quer acreditar. Provou-se que os apocalípticos não são integrados.

O ponto é: não basta alguém dizer algo, por mais alto que se grite, para tornar uma notícia verdadeira – ou mesmo parecida com verdade. É preciso que haja uma audiência predisposta a acreditar nela. Ou, ao menos, que considere a fonte crível. O nome do jogo para destacar-se nesse universo de múltiplas fontes de informação é, portanto, credibilidade. A pergunta de 1 bilhão de dólares é “como construí-la”?

O verbo é “construir” porque tornar-se fonte confiável demanda tempo e esforço. São necessárias muitas e muitas transmissões ou publicações que se confirmam para criar confiança no público e, assim, abrir olhos e ouvidos da audiência para o que o emissor tem a dizer. Há atalhos, porém. O mais comum – hoje e sempre – é falar a um público específico só o que ele quer ouvir.

Liberdade de expressão

É o caminho que foi seguido com sucesso pela rede Fox News, nos EUA. Seus programas aprimoraram a arte de repetir o mesmo enfoque muitas vezes, com caras diferentes (nem tão diferentes assim, dada a multiplicação de loiras com olhos claros e cabelo liso lendo os teleprompters da emissora). A Fox sempre oferece o mesmo e único ponto de vista: o dos republicanos, e sua agenda – liberal na economia e conservadora nos costumes.

O sucesso da Fox News favoreceu a sua contrapartida democrata, a MSNBC – tão singular quanto a concorrente na sua tentativa de cativar a audiência de quem desgosta dos republicanos. Da CNN à Al Jazeera, dualidades complementares como essas se encontram em toda parte, em todos os meios: impresso, rádio e internet.

Veículos que tentam ser plurais nos pontos de vista que expressam tornaram-se cada vez menos prósperos e populares. O agora famoso Charlie Hebdo – sempre disposto a pintar Cristo, Buda e Maomé em um mesmo bacanal – tirava 60 mil exemplares por semana antes do massacre. É improvável que retenha os milhões que compraram a última edição, especialmente se continuar atirando charges explícitas para todos os lados.

Por isso os Charlies da vida são importantes para a liberdade de expressão. Porque não tentam agradar um lado em detrimento de outro. Porque desagradam todos os lados ao mesmo tempo.

É irônico, mas não surpreendente, que sua tragédia tenha sido apropriada por governantes europeus para endurecer a política de um lado só, que incluiu prender humorista por um post no Facebook. O episódio deixou claro que a liberdade de expressão de um é ofensa para o outro. Nisso, nem o papa é exceção.

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José Roberto de Toledo é colunista do Estado de S.Paulo