Quando pequeno, o escritor britânico David Baker achava que os robôs do futuro seriam executores de tarefas, facilitando nossas vidas. Hoje, questiona o risco de perdermos nossos trabalhos e a luta para as novas tecnologias. É o que diz na abertura da The Wired World 2015, edição especial de tendências que edita para a revista Wired, que ajudou a fundar no Reino Unido. Colaborador de algumas das principais publicações do mundo, Baker trabalhou como relações-públicas no Reino Unido carregando, até hoje, o interesse pelo espaço dado às opiniões, sobretudo as negativas, do público. Mas optou pela construção de uma jornada de trabalho mais curta e independente, desafio ao qual se dedica continuamente. Baker mantém-se distante das mídias sociais e bastante atento aos exageros tecnológicos, traço de sua personalidade inquieta, curiosa e questionadora. “Eu estou sempre ansioso”, explicou no início desta entrevista, numa escura tarde do outono de Londres, na qual essa ansiedade se revelou como uma intensa empolgação quanto às experiências off-line.
No apartamento que divide com Ed, seu cativante gato que “esconde sua comida para ganhar mais”, Baker cria um ambiente aconchegante ao redor de um lambe-lambe emoldurado, estampando uma frase famosa em para-choques de caminhão “Viajo porque preciso, volto porque te amo”. Viajar é, aliás, uma dessas experiências indispensáveis para o escritor, que chegou a se mudar para o México por dois meses, onde confrontou um trauma aquático trabalhando como mergulhador. Em janeiro, volta ao Brasil para falar sobre trabalho, relações e serenidade.
A prática de esportes, assim como a procura consciente por pontos de vista diversos, expõem seu desassossego com o conforto, com os lugares conhecidos e com os algoritmos que nos enclausuram em um mundo de opiniões similares. A ânsia de Baker não atropela, senão extrapola analiticamente as possibilidades do humano e suas demandas frente à onipresente oferta digital. E estimula, assim, a reflexão sobre as vidas que queremos viver e o que podemos oferecer de único em nossos trabalhos.
Nós estamos, ainda, compreendendo as possibilidades digitais, as novas interações, o acesso às informações…
David Baker – A internet completou 25 anos. Quando foi criada, existia essa visão de equidade, de que toda informação era igual, de que as pessoas na internet seriam iguais e teriam igual acesso à informação. E, por algum milagre que ainda desconhecíamos, nós conseguiríamos selecionar a informação correta. Mas, é claro, isso não aconteceu. Hoje, a internet é comandada por quatro ou cinco grandes corporações. E, de um lado, essas grandes companhias decidem que tipo de informação vemos, assim como a multidão influencia. Com isso, é mais provável que eu encontre um vídeo de gatos do que um ponto de vista alternativo, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, deparamo-nos com todas essas coisas randômicas que nem sabíamos que estávamos procurando. Assim, há um senso de que temos esse acesso igualitário às informações, o que é uma ilusão. Eu acho que isso, na verdade, deixou-nos preguiçosos quanto a buscar informações.
Isso afeta nossas conversas, por exemplo?
D.B. – Se você está em uma conversa e, de repente, alguém pergunta “qual é maior, Azerbaijão ou Cazaquistão?”, isso é uma pergunta factual, as pessoas procuram no Google e encontram a resposta. A conversa, então, está encerrada. Antigamente, se você estivesse em um pub e não tivesse um atlas, as pessoas começariam a discutir. Muita informação era trocada nesse tipo de conversa, muito além da questão central. E isso levava conhecimento às pessoas, que podiam nem chegar a uma conclusão sobre qual o maior, mas descobririam que alguém viajou para um desses lugares nas férias e como são as viagens por lá.
A internet nos oferece respostas instantâneas e isso nos torna menos empolgados quanto às respostas lentas. E eu acho que essas são, geralmente, as mais interessantes. Obviamente, se for algo urgente, se eu for eletrocutado e você precisar descobrir como lidar com a situação, então pesquisar instantaneamente é importante. Mas, se estivermos tendo uma conversa sobre o propósito da vida, sobre o que é potencial ou sobre como deveríamos viver nossas vidas; essas são questões mais reflexivas, nas quais a tecnologia não está muito interessada agora.
Quando temos momentos de lentidão, de desacelerar em nossas vidas? Quando nos afastamos da tecnologia. O problema é que as pessoas da área de tecnologia ficam apavoradas com essa ideia, porque não querem que nos afastemos; Mark Zuckerberg certamente não quer isso. Como resultado, essas pessoas estão criando aplicativos de meditação, de bem-estar, coisas assim. Mas o que eles estão dizendo, na verdade, é “nós sabemos que você quer desacelerar. Então, aqui está: tecnologia para desacelerar”. Mas a tecnologia não nos desacelera. A única coisa que nos desacelera é nos desligar da tecnologia.
Eu li um estudo sobre como os músicos de alto nível praticam. Basicamente, eles fazem um ensaio de sessenta a noventa minutos e param completamente por duas horas. Depois, praticam por mais sessenta a noventa minutos e fim do dia. A média dos músicos muito bons, que fazem parte de orquestras, pratica o dia todo, em torno de oito horas diárias. Mas os melhores músicos não seguem esse padrão, fazendo um ensaio intensivo de até noventa minutos, depois uma pausa e outro ensaio intensivo. Eu suspeito que trabalhamos de um modo ainda muito fabril, no qual estamos sendo ditados por máquinas que nos mantêm trabalhando oito horas por dia, em vez de sermos conduzidos pelos nossos cérebros. E isso é muito importante, porque a tecnologia vai mudar muito do trabalho de oito horas que conhecemos.
Vamos ter que descobrir em nossos cérebros o que podemos oferecer ao mundo. E, de fato, pode ser algo que façamos nestas intensas rajadas e pausas. Por isso, os escritórios precisarão se adaptar e pensar o que fazer com as pessoas nessas pausas. Nós precisamos aprender a celebrar o descanso e a pausa, temos que celebrar o trabalho menos pesado.
Como enfrentar a tendência de digitalização das relações, resgatando o face a face?
D.B. – Nós estamos padecendo porque alguém, em Palo Alto, está inventando coisas e nós presumimos que essas coisas devem ser boas. Em São Paulo, eu falei para uma turma sobre [Ralph Waldo] Emerson, que no século XIX disse que nos tornamos ferramentas de nossas ferramentas. Ele falava da indústria, mas hoje nós nos tornamos a mesma coisa, somos escravos das nossas mensagens.
Só porque eu tenho uma serra não significa que agora, neste exato momento, eu precise pedir licença e ir serrar um pedaço de madeira. Eu não acordo e penso “preciso serrar algo”. Mas fazemos isso com a as ferramentas digitais. Nós deveríamos usar as tecnologias apenas quando suas funções fossem necessárias. Mas muitas pessoas ao nosso redor estão constantemente sendo cortejadas pela interatividade.
Os executivos precisam liderar pelo exemplo. Incluir as pessoas em grupos de e-mail ou de mensagens não significa que você as envolveu. É preciso ter discussões, argumentar com elas, promover conversas entre as pessoas no escritório. Estive em um escritório ontem e estava completamente silencioso, todos estavam digitando. E eu me perguntei “por que essas pessoas não estão falando umas com as outras? É alguma regra por aqui?”. É como se elas não tivessem nada a discutir.
Como as empresas e os profissionais podem criar esses espaços para coisas boas florescerem, para as pessoas florescerem?
D.B. – Em algumas empresas é dito que em parte do seu tempo ou em alguns dias as pessoas podem fazer o que quer que as interesse. Mas eu levaria isso além, eu adotaria a regra dos “80-20”, que provavelmente se aplica: 20% de nós é responsável por 80% da produção. Assim, eu poderia dizer a alguém da equipe: “Você gostaria de trabalhar 20% do seu tempo e ganhar 80% do seu salário?”. A maioria das pessoas acharia que é uma pegadinha, porque muitos de nós não conseguimos perceber essa proporção e tendemos a sobrevalorizar o que fazemos naqueles 80%.
Quando eu comecei a trabalhar por conta própria – e, claro, eu tinha a liberdade para isso –, escolhi trabalhar muito menos. Tomei uma decisão, quinze ou vinte anos atrás, de trabalhar menos, ganhar menos e gastar menos. Porque é uma tríade, se você trabalha menos, você ganha menos e precisa gastar menos dinheiro. Não quero me colocar como modelo, porque as pessoas podem ter diferentes decisões. Mas eu decidi que eu não queria que o trabalho fosse a coisa mais importante da minha vida, como era para o meu pai, que tinha uma loja de roupas e trabalhava 24 horas por dia – eu provavelmente trabalho três dias por semana. E eu tenho uma vida confortável. Eu não sou um milionário, não tenho um carro ou férias incríveis. Mas faço boas viagens, tenho grandes amigos, uma vida muito boa. Não saio para jantar frequentemente, mas eu gosto de cozinhar e de ir à casa das pessoas para cozinharmos juntos. Posso dizer que o valor da minha vida é alto, embora meus rendimentos sejam relativamente baixos.
Mas suspeito que muitas pessoas atravessam a vida sem se questionarem por que precisam dessas coisas que querem adquirir. E, quando você começa a se questionar, há escolhas individuais e coisas pelas quais você lutaria feito louco. Mas, muitas dessas coisas que você acha que precisa, na verdade, são desnecessárias. E, quando você abre mão delas em sua vida, você percebe que precisa ganhar menos dinheiro e, então, você precisa trabalhar muito menos e, de repente, abre-se espaço na sua vida. E, ironicamente, isso te ajuda a trabalhar, porque novas oportunidades de trabalho emergem e você pode explorar mais coisas a fazer.
Estamos trabalhando para sustentar um modelo no qual não estamos no centro?
D.B. – Há um livro muito bom chamado Sapiens, de Yuval Noah Harari, que conta a história da raça humana, da nossa espécie. E ele diz que a agricultura foi um desastre para a humanidade, porque, antes, as pessoas migravam, elas caçavam em grupos. Harari diz que as vidas dos indivíduos eram muito melhores em termos de saúde, bem-estar, cultura, relaxamento, variedade. Então, eles tinham uma vida boa e, aí, surge a agricultura, a ideia incrível de cavar um buraco e semear coisas nele e, assim, produzir comida como nunca tinham visto antes. Mas esses indivíduos não puderam se dar conta das consequências disso. Primeiro, as pessoas puderam ter mais bebês – quando se está caçando em grupo, você tem filhos a cada quatro ou cinco anos, porque é um problema ter um bebê em migração; mas, uma vez que você se assenta, é possível ter bebês a cada nove meses – e a população explodiu. Segundo, ao se estabelecer em um lugar fixo, você precisa proteger seu espaço de predadores e infecções, pragas e outros grupos que queiram seu espaço. Com isso, o trabalho cresceu massivamente. Lá no século XVIII, com a revolução industrial, nós nos tornamos algo como partes das máquinas. Antes, eram as nossas terras demandando atenção e, depois, eram as máquinas. A questão é: por que as pessoas ainda ficam até tarde no escritório? E eu acho que é porque não somos muito bons em mensurar o bom trabalho. O jeito mais fácil de avaliar os funcionários é ver quanto tempo eles ficam no escritório. Coisas como, “ela é ótima, fica todos os dias até as onze da noite”. Bem, eu gostaria de perguntar se ela é mesmo ótima ou se ela se sente obrigada a estar lá até esse horário. Eu jamais ficaria no escritório até as onze da noite; temos família, temos nossos amigos, temos música a escutar, coisas a fazer. Mas ainda há muitas empresas avaliando trabalho por tempo de permanência no escritório e isso é insano. Porque o que essas empresas fazem é criar mais trabalho para mostrar que é necessário que você esteja lá até as onze da noite. E outra coisa que não sabemos é como monetizar isso; se eu não sei quanto tempo você trabalha, eu não sei o quanto o seu trabalho vale.
Dinheiro é uma forma de tempo, mas o tratamos como algo muito diferente.
D.B. – Muitas pessoas sacrificam seu tempo presente para ganhar dinheiro, acreditando que mais tarde terão tempo e poderão aproveitar esse dinheiro. Mas é muito triste que apenas algumas dessas pessoas escapem dessa armadilha. A maioria se dá conta, aos cinquenta anos, que a vida passou e elas continuam no mesmo lugar.
Vamos encarar: nós podemos morrer amanhã. Quantos anos quer que você tenha, tem gente da sua idade que vai morrer amanhã. Talvez no trânsito, talvez de alguma doença desconhecida, talvez por alguma bobagem. Eu, por exemplo, ando de bicicleta e, de repente, posso não ver um carro vindo. E, se esse for o caso, enquanto estivermos lá, morrendo, nesses horríveis minutos em que nos damos conta disso, estaremos nos perguntando “Estou vivendo a vida que queria viver?”. E, se a resposta for negativa, “por quê?”.
Há alguns anos, eu fui assaltado por dois caras que apontaram uma arma para mim e levaram meu dinheiro. No dia seguinte, eu acordei exatamente com esse pensamento: “e se eles tivessem atirado em mim? Eu vivi a vida que eu queria ter vivido?”. Você usou a palavra curiosidade e é sobre isso, fazer coisas incríveis. Por que não seguimos nossa curiosidade?
Muitas mudanças podem ser tão assustadoras quanto essa pergunta.
D.B. – O cérebro é muito bom em avaliar dois estados: onde estamos agora e onde estaremos num futuro distante. Mas não conseguimos imaginar muito bem os pequenos passos que podemos dar agora até aquele ponto no futuro. Todos esses clichês que são colocados em cartazes, dizendo que todas as jornadas começam com um passo, eles estão certos. Pode ser assustador quando alguém te pede que dê um passo, mas é também algo adorável de se pedir. Porque você quer que eu dê um pequeno passo e experimente o que isso traz; e, se isso não me levar a um bom lugar, então eu só preciso dar um pequeno passo em outra direção.
Eu acho que as pessoas têm muitos argumentos para serem conservadoras, nós gostamos dos lugares em que estamos, mesmo que sejam horríveis. Tenho pensado muito sobre pessoas que se prendem a relacionamentos negativos e porque permanecem neles. Todos nós fazemos isso, sempre temos a esperança de que as pessoas vão mudar por si mesmas. Mas essa esperança é, na verdade, o medo desse lugar desconhecido em que pisaríamos.
Fui ao México três anos atrás, em férias. E houve uma noite em que tudo estava perfeito. Estávamos sentados num pequeno bar numa bela praia, ao final do dia e tudo era muito poético, tudo estava perfeito. E eu me perguntei como eu poderia voltar àquele lugar. Eu gosto de mergulhar e estava praticando com a companhia local, então perguntei a eles “tem algum jeito de eu voltar para cá por um mês ou dois?” E eles me perguntaram “por que você não vem estudar para se tornar um instrutor de mergulho?”. Então eu voltei como um assistente por dois meses. O interessante para mim é que eu era a pessoa mais velha na companhia e o mais júnior; o trabalho era muito manual, ao invés do trabalho intelectual com o qual estou acostumado. Isso foi muito interessante para mim: eu não gastei todo meu dinheiro, eu trabalhei para eles, continuei com alguns trabalhos para a Wired (enviá-los de Londres ou do México, dá no mesmo). O que pra mim foi um ótimo exemplo de pequeno passo, porque, se tudo fosse horrível, eu só precisava mudar minha passagem de volta para Londres.
E como foi essa experiência?
D.B. – A primeira coisa que você precisava fazer no treinamento era nadar quatrocentos metros; meu instrutor gostava de mim, então me pediu para nadar oitocentos. Era um dia ruim, nada como o lindo dia em que eu deixei a cidade. Havia uma tempestade terrível e o mar estava agitado. Eu tinha acabado de atravessar o atlântico e estava exausto. Em trinta segundos eu já pensava “eu sou um idiota! Eu não consigo fazer isso”. E, quando eu saí da água, ele me mandou de volta e disse “Termine isso”, o que foi ótimo. Depois ele me explicou que eu estava nadando muito rápido na saída e pediu para eu ir mais devagar. Em semanas eu progredi muito. Algumas coisas foram muito fáceis e outras muito difíceis. O que eu estava fazendo era confrontar um medo, porque eu tinha tido uma experiência muito ruim com mergulho alguns anos antes. O que eu fiz foi dar a mim mesmo pequenos passos, dar a mim mesmo dois meses.
Alguns esportes nos trazem essa sensação de que precisamos continuar, de que não temos alternativa a não ser seguir em frente.
D.B. – Eu tive uma experiência similar com canyoning. Estava em uma viagem com alguns amigos e decidimos nos arriscar, sem saber muito bem o que era. Há um momento muito importante nesse esporte, no qual você vai descendo e descendo e, então, precisa se atirar na água, um grande mergulho. E, de repente, eu me dei conta de que eu não podia voltar atrás, não havia outra forma de voltar ao topo. O que quer que acontecesse, eu precisava fazer aquilo. E, na verdade, é muito tranquilo não ter escolha. Esses momentos são importantes para nós.
Como nossa curiosidade e entusiasmo com a vida têm sido afetados pelas novas tecnologias?
D.B. – Há duas coisas opostas. Uma incrível curiosidade, porque é fantástico clicar em um artigo no Wikipedia com vários links e descobrir mais e mais coisas malucas. É como morar numa biblioteca. E podemos encontrar pessoas diferentes de nós. O mundo todo está lá para nós, é brilhante. Mas, por outro lado, as pessoas não estão pesquisando mais, estão apenas lendo aquilo no que estão previamente interessadas. E, geralmente, estão falando com as pessoas que já conhecem. Nós pensamos que o mundo é um lugar grande, mas na verdade ele é um lugar bem pequeno.
Acho que o principal é que estamos perdendo a curiosidade pelo mundo físico. Geralmente, o que fazemos com as tecnologias, inclusive as antigas, não necessariamente as digitais, é que tentamos negar a existência física a partir delas. Do lado positivo, podemos construir uma roupa de astronauta para ir ao espaço; mas, por outro lado, estamos presos nessas bolhas. O paradoxo é que a vida digital nos dá a oportunidade de sermos mais curiosos e, estranhamente, tornamo-nos menos curiosos.
Como se estivéssemos nos segmentando e nos isolando?
D.B. – Sim. E isso não apenas com as novas tecnologias. Vemos isso nos jornais, por exemplo. Compramos o jornal com o qual nos identificamos, que concorda conosco e isso faz com que nos sintamos bem. A solução é comprar, deliberadamente, o jornal com o qual você discorda, algo que eu faço frequentemente. É importante ler essa publicação para estarmos mais confiantes quanto às nossas visões, a partir da argumentação. Tenho um amigo que é bastante inclinado à direita – e eu sou bastante inclinado à esquerda – e nós costumávamos viajar juntos aos finais de semana ou algo assim. E discutíamos amigavelmente porque era um dos maiores aprendizados que poderíamos ter. É fácil sentar-se com alguém que concorda com você e, durante a conversa, vocês pensam as mesmas coisas. Mas é muito melhor conversar com alguém que acha que tudo que você fala é bobagem e, aí, você precisa defender sua posição. É muito importante encontrar pessoas diferentes e enfrentar esses riscos.
Eu mesmo já me coloquei em situações bem problemáticas, mas, em geral, é importante para mim ser um assistente de mergulho aos cinquenta anos, por exemplo. Ter essa experiência, isso é vida, isso é curiosidade.
Precisamos celebrar a diversidade?
D.B. – Nas companhias, nós tendemos a recrutar pessoas como nós. Mas há um artigo que diz que a melhor forma de aproveitar um novo estagiário, por exemplo, é permitir que ele seja realmente opinativo. E a pior forma de aproveitá-lo é mostrar rapidamente como é a empresa, sua cultura e produtividade. O ideal é levá-lo a uma reunião e deixar que diga o que tiver em sua mente, sendo irritante, se necessário. Parece loucura, né? Mas é disso que a inovação realmente nasce. Ela não nasce do estudo de uma linha de produtos, mas vem de pessoas que não conhecem a agenda de produtos da sua empresa. O que precisamos fazer é abrir nossos olhos nas empresas para as pessoas inquietantes. Não podemos ter uma empresa apenas de pessoas assim, seria anarquia. Mas temos que ter o bastante delas e permitir que falem o que pensem, incentivá-las a isso.
Antigamente, nas cortes, era o bobo da corte quem fazia esse papel, que dizia essas coisas, certo? Mas, hoje, as pessoas importantes nas empresas estão cercadas de gente como elas, pessoas que têm suas agendas de interesses, que querem ser promovidas, que não querem discordar do chefe.
Buscamos pessoas similares, com um padrão de pensamento e de aparência afins?
D.B. – Recentemente, a European Space Agency (ESA) conseguiu enviar um robô para um cometa. Havia esse comandante inglês, Matt Tayllor, que era um dos cientistas líderes do projeto. Ele concedeu uma entrevista vestindo uma camisa com diversas imagens de mulheres seminuas. Foi uma situação controversa. Mas o interessante é que nos esquecemos da celebração do programa científico e deixamos de prestar atenção naquele feito maravilhoso para falar da camisa. Por que as pessoas se preocupam com sua aparência no ambiente de trabalho? Acho que é um pouco sobre a questão de como as pessoas nos avaliam pelo tempo que passamos no escritório, sabe? “Ela veste as roupas adequadas, ela chega às oito da manhã”, essas são formas mais fáceis de julgar o trabalho dos outros. Porque é muito difícil avaliar as pessoas pela sua produtividade, criatividade ou contribuição à inovação. Se eu gasto muito do meu tempo no escritório, as pessoas pensam que eu sou um bom funcionário. Mas, na verdade, sou um possível mau funcionário e, definitivamente, um “mau vivedor”, sabe? Alguém que não vive a vida de uma boa maneira.
Como sua visão acerca do Brasil tem mudado?
D.B. – O Brasil é mais rico agora do que na primeira vez em que estive lá. Mas, sob meu ponto de vista, ainda é interessantemente jovem como país. As pessoas parecem ter um senso de brasilidade, algo que não temos aqui. O que significa ser brasileiro? Ser carioca ou ser paulista? As pessoas no Brasil ainda têm a oportunidade de criar a identidade do País.
Pela relação de colônia de Portugal ao longo de muitos anos, os brasileiros ainda têm uma fé muito grande no governo, que nós não temos. Eles acreditam que o governo pode tornar as coisas melhores e há um certo desapontamento porque, geralmente, os governos são inábeis em melhorar as coisas. E isso pode, na verdade, ser um risco. Se você espera demais do governo, pode acabar abdicando das suas responsabilidades individuais, como aconteceu na ditadura.
Há um certo modo brasileiro de pensar; a ideia de que as coisas provavelmente darão errado, mas, quando elas derem errado, encontraremos um jeito. O “jeitinho brasileiro”. Isso é algo que podemos aprender com vocês. Nós, anglo-saxões, assumimos que nada vai dar errado porque nós planejamos bastante então ficamos estagnados quando alguma coisa dá errado. No Brasil, e isso é um estereótipo, há a expectativa de que vai dar errado em algum ponto, algo imprevisível; mas, quando esse ponto chegar, acharemos um jeito de contornar isso.
É algo que temos que aprender com o Brasil. Não que as coisas darão errado, mas o chão em que pisamos vai mudar mais e mais, a tecnologia está causando isso. Os brasileiros precisam ter mais orgulho do “jeitinho brasileiro”.
Qual seria sua ideia pessoal de inovação para 2015?
D.B. – Mais tempo livre, de lazer. Pessoas desconectando-se por um dia ou pelo fim de semana. Isso é hoje um perfil bem atípico de pessoas, que não fica checando a tecnologia o tempo todo, que não enlouquece em dois dias off-line. Pessoas que desconectam.
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Nara Almeida é editora da revista Comunicação Empresarial