A internet se consolidou como plataforma para programas de TV de qualidade. O Globo de Ouro, na semana passada, foi prova disso. Transparent recebeu dois prêmios: melhor série de TV musical ou comédia e melhor ator em série de TV musical ou comédia. Exclusiva do serviço Prime Instant Video, da Amazon, conta a história de um pai transgênero (daí o nome), interpretado pelo premiado Jeffrey Tambor. Antes, Tambor tinha vivido o patriarca George Bluth na série Arrested Development e o chefão Tom Manning nos filmes do demônio Hellboy.
Na semana passada, a Amazon também anunciou um contrato com Woody Allen, que vai criar sua primeira série de TV, exclusiva do Prime Instant Video. O serviço de vídeo via internet, que não está disponível no Brasil, custa US$ 99 por ano nos EUA. O Wall Street Journal brincou que alguém vai ter de ajudar o diretor de 79 anos a configurar o Fire TV, equipamento da Amazon para ver vídeos sob demanda no televisor.
Allen ainda começa a escrever seus roteiros à mão, para terminá-los na máquina de escrever, uma Olympia SM3 portátil, que o acompanha desde os anos 1950. Para fazer correções, usa tesoura e grampeador. Só depois uma secretária passa o texto para o computador.
No ano passado, a atriz Robin Wright ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz de série dramática por House of Cards, exclusiva do serviço de vídeo online Netflix. Foi a primeira vez que um programa produzido para internet recebeu o prêmio. Neste ano, Kevin Spacey ganhou como melhor ator de série dramática, também por House of Cards.
Bens escassos
A premiação de Transparent foi importante para mostrar que não é só a Netflix que consegue produzir TV de qualidade para a internet. A televisão vive um período de transição, em que deixa de existir a barreira tecnológica que obrigava a todos a assistirem ao mesmo programa na mesma hora. Com poucas exceções (como eventos esportivos e notícias urgentes), não faz sentido ver alguma coisa na hora em que a emissora decide transmiti-la.
Esse é um dos problemas de se legislar sobre comunicações hoje. O governo propõe uma “regulamentação econômica da mídia”, mas será que esse novo cenário está sendo levado em conta? O risco é se propor um texto que olha somente para o retrovisor.
Um exemplo disso é a Lei de TV Paga, aprovada em 2011. Ela criou regras complexas de cotas de conteúdo nacional nos pacotes de televisão por assinatura, mas deixou de fora serviços sob demanda, das próprias empresas ou via internet. O impacto na produção nacional foi positivo, mas até quando essas regras serão efetivas diante da transição que o mercado atravessa?
A TV aberta e o rádio são concessões públicas, os canais são bens escassos, mas não dá mais para pensar em serviços atrelados ao meio de transmissão.
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Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo