Comumente aplicado em grandes corporações por consultores durante processos de implantação da gestão pela qualidade total, o conceito de reengenharia pode ser incorporado, com propriedade, às empresas jornalísticas.
‘Começar de novo’, ou seja, ‘abandonar procedimentos consagrados e reexaminar o trabalho necessário para criar os produtos e serviços de uma empresa e proporcionar valor aos clientes’ (LAITER, Élcio) desponta como alternativa à crescente queda nas vendas dos jornais impressos brasileiros provocada, especialmente, porque ‘os jornais estão repetitivos, sem conseguir sair da vala comum. Com raras exceções, são tediosos, chatos, sem profundidade, não acrescentam, não explicam. Os jornais acabaram se tornando uma repetição da notícia que todo mundo já sabe’ (CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHITTI, Sabine).
Pesquisa realizada em 2005 por Bughin e Poppe prova a veracidade de tal situação. De acordo com números apurados pelos estudiosos, ‘os jornais estão sofrendo uma redução de circulação de 2% a 4% ao ano, em todo mundo’ (SOUSA, Jorge Pedro).
Um ‘intelectual orgânico’
No Brasil, as estatísticas apontam um cenário ainda mais desanimador para os impressos. ‘A análise de circulação de exemplares no país mostra uma redução de cerca de 11% no número absoluto diário, que passou de 3,5 milhões de exemplares por dia, em 1995, para 3,09 milhões de exemplares por dia, em 2005.
Se observarmos o número de exemplares para cada mil habitantes, que passou de 22/1000, em 1995, para 17/1000, em 2005, a redução é de aproximadamente 23%’ (CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHITTI, Sabine).
Embora o diagnóstico da atual situação em que se encontram os jornais impressos brasileiros não seja otimista, existe a possibilidade de revertê-la através da reengenharia, pois ‘sempre haverá necessidade de acesso à informação de qualidade, ainda que eventualmente, seja uma minoria elitista a necessitar dela, ou a querer usufruir dela, por motivos que vão da formação pessoal, aos negócios, à intervenção política ou mesmo ao simples entretenimento’ (SOUZA, Jorge Pedro).
Para encarar o desafio de começar de novo, os repórteres que integram as redações dos jornais impressos devem incorporar o espírito do intelectual orgânico, definido por estudiosos da área como ‘uma batalha cultural para transformar a mentalidade popular e difundir as inovações filosóficas que se provarão historicamente na medida em que se tornam concretamente histórica e socialmente universais.
O novo profissional aproxima-se deste conceito, pois ao desejar o estranhamento do público em relação à narrativa, se instiga uma atitude crítica, um `dominar o mundo´, como pretendiam Brecht e Gramsci, desta forma, o novo jornalista é um `intelectual orgânico´, usa da sua profissão para provocar espanto e opor-se ao hegemônico jornalismo tradicional’ (ALVES, Selmar Becker).
O ponto ideal
Para iniciar o longo percurso rumo à qualidade das informações veiculadas pelos jornais impressos, os repórteres têm de aplicar a reengenharia à sua rotina profissional. ‘Será preciso que os jornalistas aprendam a manusear pacotes de dados; a compará-los; aprimorarem-se e se atualizarem para `traduzir´ melhores linguagens técnicas ou desmontar meras escamoteações lingüísticas; a ter informações antes de formular perguntas; e a indagar em universos que não os propostos por marqueteiros e políticos’ (LAGE, Nilson).
Através da produção de reportagens, ‘forma de maior aprofundamento possível da informação social e, por outro lado, é aquela que responde melhor às aspirações de uma democracia contemporânea, com toda a plenitude até mesmo da utopia’ (CREMILDA, Medina aput ALVES, Selmar Becker), os jornalistas alimentam a possibilidade de abandonar o caráter empobrecedor da objetividade que, atualmente, se resume a matérias direcionadas pelo lead e sublead seguidos por parágrafos intercalados por intertítulos a cada 20 linhas, direcionados pela técnica da pirâmide invertida.
Inteligência, perspicácia, determinação, perseverança acrescidas de pitadas de utopia produzem grandes reportagens, recheadas com saborosas informações que, certamente, o leitor paga, com gosto, para lambuzar-se de conhecimento.
Mas para chegar ao ponto ideal desta receita, os repórteres que permanecem nas redações dos jornais impressos precisam ‘tratar de ouvir fontes secundárias, construir versões consistentes e analisar cada problema de perspectivas distintas’ (LAGE, Nilson).
Um jornal de qualidade
Michel Foucault, no século passado, já sentenciava: ‘O mais importante no discurso não é o que ele diz, mas o sentido, a forma, suas conexões e significações’ (FOUCAULT, Michel apud ALVES Selmar Becker), ou seja, o repórter deve reunir diferenciadas habilidades para reinventar, a médio prazo, os impressos e atender às expectativas dos exigentes leitores-consumidores de informações.
Ao alcançar a dimensão reveladora alicerçada no tripé técnica, ética e estética, a reportagem equipara-se ao conceito de cooptação: ‘Superação das formas concretas ou abstratas de submissão do trabalho intelectual aos interesses do Estado (da sociedade política propriamente) e da Indústria Cultural’ (ALVES, Selmar Becker), sepultando, assim, o jornal impresso como ‘instrumento para a promoção de escândalos (que, repetidos, mais facilmente levam ao conformismo do que à revolta)’ e transformando-o na ‘exposição honesta do jogo de interesses e motivação que se esconde por detrás de cada problema’. (LAGE, Nilson).
Frente à urgência de aplicação da reengenharia às empresas jornalísticas, os profissionais da comunicação que dedicam suas carreiras aos impressos devem pautar-se pelo ‘desenvolvimento de um jornal de qualidade, que justifique seu consumo mesmo diante de tantas ofertas de outros meios de comunicação’ (MEYER, Philip apud CARVALHO, Ruy Quadros de; RIGHETTI, Sabine).
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Jornalista, blogueira, assessora de comunicação freelance e colunista do jornal Aqui, Pedro Leopoldo, MG